Homem com H é mais do que uma cinebiografia: é um espetáculo sensorial que se ergue em cima da ousadia, da dor e da liberdade de um dos maiores artistas brasileiros. Dirigido por Esmir Filho, o filme mergulha na trajetória de Ney Matogrosso, interpretado com intensidade feroz por Jesuíta Barbosa, e constrói uma narrativa em que o teatral se confunde com o real, em uma jornada marcada pela resistência e autoafirmação.
Desde os primeiros minutos, quando contrapõe a repressão familiar com o nascimento da persona artística de Ney, a obra revela seu principal trunfo: traduzir o conflito interno e externo de um homem que ousou viver à própria maneira. Ney não apenas performa no palco — ele se transforma, se expande, se liberta. E o filme, sabiamente, acompanha esse movimento com uma estética vibrante, sensual e provocadora.
Não há economia de recursos: os R$ 18 milhões investidos são visíveis nas reconstruções de época, nos figurinos exuberantes, na direção de arte sofisticada. Mas, mais do que o visual luxuoso, é a sensibilidade poética do diretor que transforma “Homem com H” em algo além da fórmula comum das biopics. Ao invés de simplesmente listar eventos, o longa os traduz em emoções. Cada performance musical — de “Bandido Corazón” a “Pro Dia Nascer Feliz” — pulsa como parte da narrativa, integrando-se à construção do personagem como se fosse seu próprio diálogo interior.

Jesuíta Barbosa, por sua vez, entrega uma atuação camaleônica, encarnando não só os trejeitos de Ney, mas sua força expressiva. No palco e fora dele, há algo de instintivo, quase animalesco, na maneira como o ator habita a personagem. Essa fisicalidade selvagem é acompanhada por uma ternura surpreendente, sobretudo nas cenas em que o filme mergulha nas perdas que marcaram a vida de Ney — como o luto por Marco de Maria e Cazuza. A dor, aqui, nunca é banalizada: é emoldurada com respeito, delicadeza e até beleza.
O filme, no entanto, não escapa de um tropeço comum: o terceiro ato perde fôlego ao adotar uma estrutura mais linear e apressada. Os últimos anos da vida de Ney são tratados quase como notas de rodapé, numa espécie de corrida para fechar o arco narrativo. A escolha frustra, considerando o quanto ainda havia a ser explorado de um artista cuja relevância atravessa décadas.
Ainda assim, Homem com H cumpre o que promete: é uma carta de amor a um artista que nunca pediu permissão para existir — e que, por isso mesmo, continua necessário. Ney Matogrosso, com sua liberdade intransigente, comove, inspira e ensina. O filme deixa no ar uma mensagem poderosa: ser quem se é pode ser um ato radical, mas é também o caminho mais bonito que se pode escolher.