O correspondente brasileiro do jornal francês Le Monde, Bruno Meyerfeld, abordou em sua coluna de segunda-feira (27) a intensa repercussão gerada por uma crítica negativa ao filme “Ainda Estou Aqui”, publicada pelo jornal.
Na coluna intitulada “Carta de São Paulo”, Meyerfeld destaca como o longa “desperta paixões” no Brasil. Ele relata que, em 15 de janeiro, o Le Monde foi surpreendido por uma enxurrada de comentários após o crítico Jacques Mandelbaum descrever o filme como “hierático” e classificar a atuação de Fernanda Torres como “bastante monótona”.
Segundo Meyerfeld, a crítica foi duramente rebatida após Fernanda Torres ganhar o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Drama e ser indicada ao Oscar na mesma categoria, enquanto o filme de Walter Salles concorre ao prêmio de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional.
Uma avalanche de reações
O correspondente revelou que o Le Monde nunca havia enfrentado uma reação de tal magnitude. Em apenas dois dias, o jornal teve que apagar cerca de 21.600 comentários ofensivos, a maioria no Instagram. Para efeito de comparação, em tempos normais, o número diário é de aproximadamente 700.
Os comentários iam de engraçados a ofensivos, alguns com teor machista ou até preconceituoso, incluindo ataques aos franceses, como chamá-los de “porcos que nunca tomam banho”. Meyerfeld também relata teorias conspiratórias levantadas por brasileiros, que acusaram o Le Monde de favorecer o filme francês “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, concorrente direto de “Ainda Estou Aqui” no Oscar.
Para muitos brasileiros, seria “impossível” não gostar de um filme que aborda temas tão profundos em um Brasil marcado pelas consequências do governo de Jair Bolsonaro.
Contexto histórico e político
A crítica de Mandelbaum menciona que Bolsonaro demonstrava “ódio visceral” por Rubens Paiva, ex-deputado que morreu sob tortura durante a ditadura militar. Esse pano de fundo histórico é parte central da narrativa de “Ainda Estou Aqui”, que retrata a tragédia de uma família brasileira.
Eduardo Morettin, professor de cinema da USP, elogia o longa por universalizar o destino da família Paiva e unificar o público contra o revisionismo histórico. “O filme cumpriu um papel importante ao unir espectadores em torno de uma memória coletiva”, afirmou.
Reações favoráveis ao filme
A atuação de Fernanda Torres, descrita por Meyerfeld como uma das atrizes mais queridas do Brasil, foi amplamente celebrada. Críticos como Isabella Faria e Inácio Araújo destacaram aspectos positivos do filme, enquanto influenciadores como Chavoso da USP ofereceram análises equilibradas.
Apesar da controvérsia, os produtores de “Ainda Estou Aqui” afirmaram estar satisfeitos com o debate, considerando-o parte de um diálogo saudável sobre diversidade de opiniões.
Por fim, o roteiro do filme reconhece o papel crucial desempenhado pelo Le Monde durante a ditadura militar brasileira, ao oferecer voz à oposição e à resistência dentro e fora do país. A controvérsia, segundo Meyerfeld, apenas reafirma a relevância do longa na cena política e cultural contemporânea.