Ao longo da campanha presidencial americana, Trump saiu em defesa dos presos por envolvimento no 6 de janeiro, chegando a classificar a data como um “dia bonito” — ao todo, mais de 150 policiais ficaram feridos no Capitólio enquanto tentavam impedir a multidão violenta de invadir e depredar a sede do Legislativo americano. No dia da posse, em um discurso a apoiadores logo após a cerimônia oficial, o republicano prometeu que tomaria “ações” destinadas aos que definiu como “reféns do 6 de janeiro”. Horas depois, assinou o decreto.
Na ordem executiva, o presidente determinou dois tipos de medidas. Para 14 indivíduos específicos, incluindo Rhodes, Trump ordenou a comutação das sentenças, limitando-as a data de 20 de janeiro deste ano. Foram beneficiados com esta medida outras lideranças e pessoas que tiveram comprovada atuação junto aos grupos mais radicais durante os ataques.
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Para todos os outros envolvidos em “eventos ocorridos perto ou no Capitólio dos EUA” naquela data, Trump ofereceu um perdão “irrestrito, incondicional e completo”, restaurando o status legal dos beneficiados, como se nunca tivessem cometido qualquer crime. Tarrio, líder dos Proud Boys, foi beneficiado com a segunda medida.
“Esta proclamação põe fim a uma grave injustiça nacional que foi perpetrada contra o povo americano nos últimos quatro anos e inicia um processo de reconciliação nacional”, diz o texto do decreto.
Decepção e entusiasmo
Entre os beneficiados pelas famílias e seus familiares, o perdão amplo concedido por Trump foi recebido com comemoração. Rhodes, que após ser solto de uma prisão em Maryland, dirigiu-se à frente da cadeia de Washington, onde a maioria dos presos relacionados ao caso cumprem pena, declarou que “sempre soube” que o presidente republicano concederia liberdade a todos.
Jake Angeli-Chansley, que ficou conhecido durante a invasão como “Xamã do QAnon”, por participar do ataque vestido com um casaco de couro com chifres, comemorou a decisão em uma publicação no X. Condenado a três anos de prisão, ele já havia sido liberado do regime fechado no começo de 2023, mas seguia cumprindo ordens restritivas — levantadas pelo perdão presidencial.
“Eu recebi agora as notícias do meu advogado… Eu fui perdoado, bebê! Obrigado presidente Trump!!! Agora eu vou comprar algumas armas filhas da p*! Eu amo este país!!! Deus abençoe a América”, escreveu Chansley, referindo-se a um dos efeitos do perdão presidencial, a suspensão das condições de liberdade condicional.
Enquanto apoiadores comemoravam, a medida provocou controvérsia para parte da sociedade americana. Policiais que trabalharam no Capitólio no dia do ataque relataram ter sido alertados durante os últimos dois dias sobre a soltura de elementos que ajudaram a condenar por meio de testemunhos — algo que é imposto pela lei americana.
— É um erro judiciário, uma traição, uma zombaria e uma profanação dos homens e mulheres que arriscaram suas vidas defendendo nossa democracia — disse Aquilino Gonell, ex-sargento da Polícia do Capitólio, que se aposentou por causa de lesões sofridas durante o ataque.
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Mais de 150 policiais ficaram feridos durante o ataque. Alguns foram atingidos na cabeça com tacos de beisebol, mastros de bandeira e canos. Uma perdeu a consciência depois que os manifestantes usaram uma barreira de metal para empurrá-la para baixo enquanto marchavam para o prédio. Nos dias e semanas após o tumulto, vários policiais no Capitólio em 6 de janeiro morreram, incluindo Brian Sicknick, que foi atacado pela multidão, sofreu um derrame e morreu de causas naturais em 7 de janeiro.
Questionado durante uma entrevista na Casa Branca na terça-feira, se os perdões estavam enviando uma mensagem de que agredir policiais é OK, Trump defendeu a adoção da medida e afirmou que a mensagem era “o oposto”.
— Essas pessoas já cumpriram anos de prisão, e os cumpriram cruelmente — disse o presidente americano. — É uma prisão nojenta. Foi horrível. É desumano. Foi uma coisa terrível, terrível.
Revisionismo e apagamento
Pequenos sinais de dissidência surgiram entre beneficiados pela medida desde que Trump assinou o perdão. A americana Pam Hemphill, que se declarou culpada por participar da invasão do Capitólio e foi condenada a 60 dias de prisão, afirmou que não aceitaria o benefício, a fim de não “insultar” os policiais do Capitólio, o Estado de Direito e o país.
— Eu me declarei culpada porque eu era culpada, e aceitar um perdão também serviria para contribuir com seu ‘gaslighting’ [desaparecimento] e narrativa falsa — afirmou Pam, em entrevista à rede britânica BBC.
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Além do perdão amplo aos condenados e investigados e do texto do decreto, que configura um reconhecimento oficial por parte do governo americano de que toda a persecução penal envolvendo o caso se tratou de uma “injustiça”, há sinais de que o revisionismo pode evoluir para um apagamento da História em torno de 6 de janeiro.
O FBI, a polícia federal americana, tirou do ar todas as páginas oficiais sobre os detalhes da investigação, informações sobre pessoas presas e pedidos de informações sobre suspeitos que ainda eram investigados. Em um depoimento à rede americana NBC, um porta-voz disse que os sites “não estão mais ativos”, mas não explicou porque eles foram ocutados ou quem ordenou a mudança.
Veja quem foi perdoado por Trump
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Enrique Tarrio: Ex-líder do grupo extremista Proud Boys, Enrique Tarrio, de 42 anos, estava cumprindo uma pena de 22 anos de prisão antes de ser liberado. Promotores o descreveram como um “extremista astuto”, e teria ajudado a mobilizar e ordenar as pessoas que invadiram o Capitólio. Antes dos eventos de 6 de janeiro de 2021, ele se envolveu em uma série de protestos violentos, inspirados pelo comício supremacista branco em Charlottesville.
Ex-líder do grupo extremista Proud Boys, Enrique Tarrio, de 42 anos, estava cumprindo uma pena de 22 anos de prisão antes de ser liberado. Promotores o descreveram como um “extremista astuto”, e teria ajudado a mobilizar e ordenar as pessoas que invadiram o Capitólio. Antes dos eventos de 6 de janeiro de 2021, ele se envolveu em uma série de protestos violentos, inspirados pelo comício supremacista branco em Charlottesville.
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Stewart Rhodes: Veterano do Exército e advogado formado pela prestigiada universidade Yale, Stewart Rhodes é um dos fundadores do grupo extremista armado Oath Keepers, que se envolveu ao longo da última década em uma série de confrontações armadas com autoridades públicas e movimentos sociais — como o Black Lives Matter. Rhodes, que sempre afirmou ser um preso político, não estava no Capitólio no dia da invasão, mas os promotores conseguiram recuperar mensagens criptografadas que manteve com integrantes em solo, instruindo-os a agir.
Ao fundar o Oath Keepers em 2009, Rhodes esteve orientado por uma série de teorias conspiratórias e não comprovadas sobre o “Estado profundo” americano, adotando uma posição fortemente abertamente antigoverno. Isso mudou com a chegada de Donald Trump ao pode.
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Jake Angeli-Chansley: Apelidado de “Xamã do QAnon” pela roupa extravagante que utilizou durante os atos antidemocráticos de 6 de janeiro de 2021, Jake Angeli-Chansley se declarou culpado da acusação de obstruir um procedimento oficial durante uma audiência em 2023. Ele foi associado ao grupo orientado por uma série de crenças bizarras e teorias conspiratórias. Algumas das teorias difundidas na época do primeiro mandato de Trump era de que os bastidores do poder americano eram dominados por um complô de pedófilos adoradores de Satã.
Em 2023, Chansley compareceu diante de um juiz e se disse profundamente arrependido por seus atos no dia 6 de janeiro, afirmando estar caminhando “na direção oposta” à que seguiu no dia da invasão. Atualmente, ele tem mais de 156 mil seguidores na rede social X (na qual se apresenta com sua foto vestido de Xamã) e tem um site chamado Academia Verdade Esquecida.
Ethan Nordean: Condenado a 18 anos de prisão, o ex-líder do Proud Boys, Ethan Nordean, foi um dos 14 envolvidos no ataque ao Capitólio a ter a pena comutada por Trump — e não receber o perdão total e irrestrito. Ele foi apontado pela promotoria como o “líder indiscutível no solo” durante as ações que tentaram impedir a transição de poder pacífica.
Nordean já era conhecido das autoridades por sua atuação, muitas vezes violentas, como integrante do Proud Boys. Ele começou a frequentar encontros do grupo em 2017, mesmo ano em que foi realizada a marcha supremacista em Charlottesville. Em muitos casos, ele esteve na linha de frente do grupo em confrontos com movimentos antifascistas em diferentes cidades dos EUA.
Thomas Caldwell e Edward Vallejo: Veteranos das Forças Armadas americanas beneficiados por Trump, Caldwell e Edward Vallejo foram apontado pela promotoria como responsáveis por coordenar uma “força de reação rápida” dos Oath Keepers para entrar em ação, e armar extremistas caso fosse necessário. Caldwell teria enviado uma mensagem ao grupo, afirmando ter conseguido um barco para “transportar armas pesadas”, enquanto Vallejo teria dito estar “a espera” das ordens para agir. Os dois foram condenados com base em suas atividades nos arredores de Washington, e nunca entraram de fato no Capotólio.
Joseph Biggs e Zachary Rehl: Outros dois ex-líderes do Proud Boys que terminaram condenados por participação nos atos de 6 de janeiro de 2021, Biggs e Rehl agiram boa parte do tempo em conjunto, segundo o processo judicial.
De acordo com um relato da rede americana CBS, Rehl e Biggs estavam em um grupo de cerca de 200 pessoas que marcharam em direção ao Capitólio e entraram em confronto com a polícia. Ainda segundo o relato, a promotoria acusou Rehl de ter usado um irritante químico contra o rosto de um policial.