Por mais que eu consiga enxergar sua problematica se esvaindo no terceiro ato e uma certa dificuldade em moldar seu filme pelos inúmeros momentos e acontecimentos que perduram as vidas daquelas personagens diante e a partir da desilusão de vida de um traficante, não consigo desgostar de como o filme chega até lá e o que ele entrega em suas formas desde os musicais construídos como extensão da narrativa. A crescente tensão social e política dentro de um México fictício vai dando estofo à todas aquelas vidas ordinárias e a trama de redenção pessoal.
Jacques Audiard tem várias narrativas intrínsecas em suas mãos e consegue mesclar todas elas com poucos blocos; Na realidade diria que é um filme muito fluido que se utiliza da forma musical de linguagem para seu próprio benefício e como um artifício de estímulo para o público, que me manteve bem empolgado com todas suas perfomances, sacadas e sua eloquente crescida nas maneiras artísticas e cada vez mais frontais em suas apresentações estilizadas como se ele subvertesse a lógica do musical como decupagem do seu longa.
O melodrama que dá vazão aos sentimentos, usados como temática de suas músicas, esquematizadas como lacunas sensoriais, gritos e linguagem corporal para além do texto, para entrega de todas suas atrizes em tela. Quando a ação chega e vai em contradição com o que é plantado na trama como alicerce moral de Emília, não perdura, pois o cirurgião que fizera seu procedimento (em uma cena linda) dialoga sobre a “mudança” não vai necessariamente “mudar” nada, e em como tudo aquilo pode ser ilusório, mas mesmo assim realizando seu trabalho.
As múltiplas questões de todas suas personagens, seja a penumbra da personagem de Zoe Saldana, as nuances da estruturação pessoal a partir do olhar machista e desumanizado na personagem da Selena Gomez e o ciclo sem fim de violência apartidária como sua própria redenção, ou como sua própria derrocada na personagem de Emília Pérez indo e trabalhando muita bem as variações que fazem com que a construção interpessoais de Emília vá além da sua presença; Ela é uma entidade filosófica banhada de simbologias e signos tratados durante a trama e que Audiard vai deixando pela trama.
A abordagem mais teatral de como trazer essa tragédia anunciada com dramas humanos e erráticos são uma das frontalidades mais legais de acompanhar fazendo a experiência de Emília Pérez nunca pare, seja divertida, fluida e com certeza muito memorável.
Em contraponto, trago justamente seu terceiro ato, que acaba por se tornar um ponto baixo não pela maneira com que ele chega ou como ele é trabalhado, mas sim como ele é abordado, digo de ritmo mesmo, a ação não há pausas escabrosas intermináveis de tiros pra todo lado, há algo a mais ali naqueles tiros, mas a abordagem limpa de uma ação e escolhas inverossímeis com o que havia sido criado torna um momento falho deslocando ele do resto do filme.
Emília Pérez é um grito expressivo de autoridade e do fantástico como forma de contar uma história tão crível tecida a partir de críticas e debates sociais, construídos a partir das personagens, cada uma com suas problematicas trazendo consigo uma correlação e ligação abstrata da realidade sendo abordada a partir de representação musicais que dão ritmo e fluidez aos movimentos e imagens ilusórias de lutas sem fim de uma sociedade regidas pelos sonhos de alguém e os impactos de um passado violento que parecem nunca ter fim, nem ao mesmo quando você “muda” por completo. Um ciclo sem fim e de muitas consequências reais.