O Comitê de Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) recomendou formalmente ao Brasil que interrompa a criação de novas escolas cívico-militares em território nacional. A sugestão foi emitida no contexto da Revisão Periódica Universal (RPU), um mecanismo de avaliação dos direitos humanos nos países-membros que ocorre a cada quatro anos e meio.
A recomendação teve como base uma denúncia protocolada por membros do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de São Paulo — os irmãos Celso e Carlos Giannazi, ambos defensores de uma educação pública sem presença militar. Eles alegam que a expansão do modelo cívico-militar em São Paulo, promovida pelo governo estadual, fere princípios pedagógicos e de autonomia educacional.
Avanço do modelo em São Paulo
A polêmica ganhou força após o anúncio da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (Seduc-SP), em abril deste ano, de que cem escolas públicas seriam convertidas para o modelo cívico-militar já em agosto. A proposta, inicialmente prevista para 2026, foi antecipada com base em uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou o modelo compatível com os parâmetros constitucionais.
Para implementar a mudança, o governo paulista promoveu consultas públicas obrigatórias, onde votaram responsáveis legais de estudantes menores de 16 anos, alunos maiores de idade e profissionais da educação. Segundo a Seduc, mais de 106 mil votos foram registrados, e 87% dos participantes aprovaram a transição para o modelo cívico-militar. Em três unidades escolares, o apoio foi unânime.
Debate reacende tensões sobre papel das Forças Armadas na educação
O modelo cívico-militar — que une gestão pedagógica civil e disciplina inspirada na hierarquia militar — é alvo de debates intensos desde sua criação em 2019, no governo Jair Bolsonaro. Seus defensores apontam melhoria nos índices de disciplina, frequência e desempenho escolar. Já os críticos, como o PSOL e parte da comunidade acadêmica, afirmam que a militarização compromete a formação crítica e plural dos estudantes.
A manifestação da ONU reforça esses questionamentos e coloca o Brasil diante de um novo dilema educacional: continuar com a expansão do modelo, respaldado por parte da população, ou reconsiderar a política à luz das recomendações internacionais e do debate sobre os direitos das crianças e adolescentes.
O Governo Federal ainda não se manifestou oficialmente sobre a recomendação da ONU. Já a Seduc-SP reafirma que o processo em curso respeita a legislação e os princípios democráticos de consulta pública.