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Narrativa Embriagada Pela Paixão – A voz que Resta (2024) Review

A Voz que Resta se apresenta como um interessante experimento narrativo, utilizando a perspectiva de um narrador não confiável para contar uma história às avessas. A proposta é ambiciosa: explorar a embriaguez do amor – tanto no sentido figurado quanto literal – e suas ilusões sensoriais. A trama busca construir um mergulho na intensidade das paixões humanas, entrelaçando sentimentos com a percepção distorcida que o álcool pode provocar.

No entanto, se o texto da obra surge como peça fundamental para sustentar essa abordagem, a execução tropeça em alguns momentos. A narrativa, que deveria fluir com naturalidade, acaba sendo prejudicada por trocas descompassadas, tornando certas passagens artificiais ou abruptas. Os realizadores deixam evidente sua intenção ao estruturar a história, mas, ao fazê-lo de maneira tão perceptível, comprometem a organicidade da experiência.

Além disso, um elemento que intensifica essa fragmentação é o constante desencontro entre imagem e discurso. Enquanto a narração parece seguir uma linha subjetiva e carregada de sensações, a composição visual frequentemente se move em outra direção, como se fossem duas narrativas independentes que se cruzam sem jamais se tocarem de fato. O filme insiste nesse jogo de contradições, mas não o leva adiante, tornando-o um artifício mais evidente do que instigante. Cenas que poderiam complementar a carga emocional do texto se apresentam de forma fria ou distanciada, criando um ruído que não parece intencional, mas acidental.

Curiosamente, um dos aspectos mais bem resolvidos do filme está na sua mixagem de som, que amplia esse efeito de descompasso narrativo de forma proposital e engenhosa. O longa brinca com diferentes dispositivos sonoros, transitando entre a oralidade literária e os ruídos mecânicos dos aparelhos que cercam o protagonista. O som ora amplifica a prosa introspectiva da narração, ora a desafia com interferências e distorções que ecoam sua instabilidade emocional. Essa justaposição contribui para a sensação de deslocamento da trama, tornando a experiência sensorialmente mais envolvente do que o próprio encadeamento das imagens.

Ainda assim, um dos pontos altos do filme está na dupla de diretores – Roberta Ribas e Gustavo Machado –, que também contracenam. Eles demonstram um controle criativo sobre a trama, sabendo como extrair do texto e do argumento uma construção cênica que prende a atenção. Há um senso de precisão na maneira como conduzem as cenas, revelando um olhar atento para os detalhes que sustentam a atmosfera da narrativa.

O que poderia ser um de seus maiores trunfos – a fluidez narrativa – se dilui diante de algumas escolhas estilísticas que tornam o ritmo irregular. Ainda assim, A Voz que Resta se mantém como uma obra intrigante, que provoca reflexões sobre a maneira como percebemos e reconstruímos nossas próprias paixões e memórias.

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