A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, deixou uma audiência pública na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado nesta terça-feira (27) após ser alvo de falas ofensivas do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Convidada para prestar esclarecimentos sobre a criação de Unidades de Conservação na Margem Equatorial, Marina acabou confrontada por senadores em uma sessão marcada por ataques pessoais, violência política de gênero e embates sobre a pavimentação da BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho.
Durante a audiência, o senador Plínio Valério afirmou que respeita Marina como mulher, mas não como ministra, frase que gerou revolta. “Ao olhar para a senhora, estou vendo uma ministra, não uma mulher. A mulher merece respeito. A ministra, não. Por isso quero separar”, declarou. Marina respondeu que havia sido convidada como ministra, e não como mulher, e exigiu um pedido de desculpas para continuar na sessão. Diante da recusa do parlamentar, retirou-se da comissão afirmando que não poderia aceitar tamanha desqualificação.
Relembro de ameaças anteriores
Ao sair da comissão, Marina relembrou que o mesmo senador já havia a ameaçado verbalmente em março deste ano, durante um evento da Fecomércio-AM, ao afirmar que “foi difícil tolerar Marina por seis horas sem enforcá-la”. A ministra classificou a declaração como grave e afirmou que não poderia aceitar novas agressões. “Ouvir um senador dizer que não me respeita como ministra, eu não poderia ter outra atitude”, disse. “Ele é uma pessoa que disse que da outra vez que eu vim aqui como convidada foi muito difícil para ele ficar 6h10 comigo sem me enforcar, e hoje veio de novo para me agredir.”
Além das falas de Plínio, a ministra também foi alvo de críticas do senador Omar Aziz (PSD-AM), que a acusou de “atrapalhar o desenvolvimento do país” por conta de entraves ambientais que, segundo ele, impedem a liberação de mais de 5 mil obras no Brasil. Marina rebateu as críticas afirmando que é a favor do desenvolvimento sustentável e que as consequências da exploração ilegal de recursos naturais são “concretas”, e não ideológicas. “Desde que se começou a discutir a pavimentação da BR-319, o que se vê é uma corrida pela grilagem. Por isso propomos uma avaliação ambiental estratégica. Qual o problema de fazer isso? De ter governança?”, questionou.
Debate sobre BR-319 se intensifica
A BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, é um dos principais focos de tensão entre ambientalistas e parlamentares da região Norte. Por um lado, sua pavimentação é defendida como essencial para a integração da Amazônia com o restante do país e o desenvolvimento econômico da região. Por outro, especialistas alertam que a estrada pode ampliar o desmatamento e facilitar atividades ilegais, como grilagem, garimpo e exploração de madeira.
Marina Silva afirmou que a solução para a rodovia passa pela realização de estudos sérios de impacto ambiental e pela governança responsável. Ela lembrou que esteve fora do governo por 15 anos e questionou por que, nesse período, a estrada não foi asfaltada. “O debate da BR-319 virou um debate em cima de bode expiatório, que chama Marina Silva. É concreto que eu saí do governo em 2008. Até 2023, são 15 anos. Porque as pessoas que são tão dadas a coisas concretas não fizeram a BR?”, criticou.
O governo federal, por meio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já sinalizou apoio à pavimentação da rodovia, mas com condicionamentos ambientais. Uma das propostas é avançar com as obras em trechos já liberados, enquanto os demais passam por análise do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente.
Clima político e violência de gênero
A saída de Marina da comissão gerou forte repercussão política e reacendeu o debate sobre a violência de gênero na política institucional brasileira. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) chegou a sugerir a retirada da ministra da audiência caso os ataques pessoais continuassem. Em sua fala, Marina destacou que atitudes como a de Plínio Valério colocam em risco a credibilidade do Senado e desvalorizam a presença de mulheres em cargos de liderança. “Dizer que a demolição da legislação ambiental é minha responsabilidade, quando foi o Senado que aprovou o texto, é não querer honrar o voto que os elegeu. Quem tem mandato vota pelas suas convicções, não porque foi obrigado”, afirmou.
Após deixar a comissão, Marina seguiu para uma reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), para tratar do projeto de lei sobre o novo Licenciamento Ambiental, aprovado pelo Senado na semana anterior e que agora será debatido pelos deputados.
A condução da audiência e os ataques sofridos pela ministra foram amplamente criticados por entidades da sociedade civil, ambientalistas e parlamentares, que classificaram o episódio como mais um exemplo de violência política de gênero e intolerância institucional. Marina, uma das principais referências ambientais do país, reafirmou seu compromisso com o diálogo democrático, mas disse que não compactuará com agressões disfarçadas de debate.