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Crítica – O Grande Golpe do Leste | A Tragicomédia entre Muros e Risos

Há algo profundamente subversivo na forma como O Grande Golpe do Leste escolhe rir — e rir com gosto — diante do colapso de um regime, do fim de uma era e das cicatrizes que ela deixou. Dirigido por Natja Brunckhorst, o filme parte de um acontecimento real ocorrido no início dos anos 1990, mas recusa, com a mesma delicadeza com que se move, tratá-lo apenas como episódio histórico. O que se apresenta aqui é uma tragicomédia que, em vez de alimentar o peso dos grandes discursos, prefere habitar o miúdo: o gesto simples, o cotidiano desgovernado, o absurdo quase íntimo de quem tenta sobreviver à queda de um muro — e ao que veio depois dele.

É impossível não pensar em Adeus, Lênin! como um parente próximo — não só pelo contexto ou pela ironia melancólica, mas sobretudo pela ternura como escolha narrativa. Brunckhorst filma seus personagens com empatia radical, dando-lhes espaço para falhar, trapacear, amar e insistir — sem nunca os ridicularizar. É nesse olhar doce, quase chapliniano, que o filme encontra fôlego para falar de temas áridos: desemprego, desorientação ideológica, apagamento de identidade.

Nesse cenário onde a comédia não abafa o drama, mas o revela por outra via, Sandra Hüller se destaca com uma atuação que confirma seu lugar entre as grandes atrizes do cinema europeu contemporâneo. Seja na densidade contida de Sibyl ou no rigor cortante de Anatomia de uma Queda, Hüller tem se mostrado capaz de extrair de suas personagens uma humanidade vibrante, que pulsa em cada gesto e hesitação. Aqui, ela habita sua personagem com naturalidade, oscilando entre o cômico e o melancólico sem esforço visível, reafirmando essa rara habilidade de tornar suas figuras ficcionais não apenas críveis, mas vivas.

O “golpe” do título, inspirado em um caso real envolvendo ex-agentes da Alemanha Oriental que tentam revender a tecnologia de escuta da Stasi como se fosse inovação de ponta, torna-se uma metáfora tragicômica sobre pertencimento. O que resta a esses homens senão inventar um novo sentido para suas vidas — mesmo que através de uma farsa? O filme, no entanto, não se posiciona acima deles. Ele não ri deles, mas com eles — e esse gesto é, em si, profundamente humano.

A mise-en-scène acompanha esse tom: há suavidade nas cores, nostalgia nos enquadramentos e, sobretudo, uma recusa em espetacularizar o drama. O humor não surge como alívio, mas como espinha dorsal da narrativa — um modo de enxergar o mundo quando tudo ao redor parece ruir. É quase um afeto em forma de risada. Em tempos em que o cinema histórico tende à reverência ou à frieza, O Grande Golpe do Leste se insinua como um desvio encantador.

Há, por fim, algo de muito atual nesse olhar. Em um mundo que ainda insiste em construir muros, literais ou simbólicos, o filme lembra que a resistência pode estar no riso, no improviso, no gesto pequeno que desafia a rigidez das estruturas. E que o cinema, quando não se furta à leveza, pode iluminar feridas antigas com uma luz inesperada — aquela que nasce do afeto.

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Lucas Cine

Redator chefe de entretenimento da Update Manauara. Crítico de cinema, apresentador do Lucas Cine Podcast e fã de terror.

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