Que nó na garganta. Fruto de um cinema minuciosamente detalhista, Ainda estou Aqui faz da lembrança uma lugar voraz de parcimônia e perseverança usando uma residência como personagem dialético da narrativa na qual tudo permanece e flutua dentre o tempo, fazendo os espaços contarem a estória intrépida de uma tragédia nacional sem escrúpulos, e sem humanidade.
Os espaços alocados nas penumbras sentimentais deixadas por um crime sem um rosto, não foi alguém que marcou Rubens, foi o sistema, foi a cumplicidade doentia de ideologias catárticas e sem fundamento dentro de uma lógica narcisista egoica ultrapassando limites humanos deixando margem a selvageria animal como material e ferramenta de ideologia. Não há defesa para o que foi feito, não há lado que opere para tais tragédias, mas sim extremismos infantis como crianças demarcando qual seu brinquedo, irrefutavelmente até conseguir e perceber que nem queria mais.
A forma como Walter Salles escancara essa realidade repressiva como maneira narrativa de trabalhar sua decupagem como se o jogo de sensações fosse mais importante que roteiro, e não que a roteirização aqui faça menos, mas a sobreposição dos espaços, ambiências e o respiro das lacunas consumadas pelo luto são uma marca que fica com você. O sofrimento imediato mediante ao desconhecido mal, a dor do não saber e a falsa sensação de satisfação são alicerces importantes comunicados pelas lentes de Salles.
A visão quase que formulaica de apresentação da família não serve apenas como isso, mas sim para dar estofo ao que mais o filme está preparando terreno, ao cerne do longa intrínseco em todas as imagens formadas pelos movimentos; a presença. A presença material e líquida, o vagaroso, mas pontual entendimento que nada mais vai ser o que fora um dia. Momentos marcados por fotografias e pelo coração como guia.
Aqui a fotografia se dá como maior dispositivo terreno de conexão humana, dado que filhos são criados para o mundo, que a vida os aguarda e que incessantemente estamos sempre a procura de memórias tentando encaixar e montar nossa vida como um todo como se fôssemos peças de quebra-cabeça ambulantes prestar a se perder e desfragmentar por completo. E a vida, há a vida, se temos a certeza mundana da libertação dos filhos, a da morte é mais certeira ainda, mas renegamos, afim de viver bem até chegar lá.
Um retrato cruel que nos faz viver um recorte moldado pelos frangalhos de uma família despedaçada e vidas moldadas pela tragédia, causando impacto no público não pela história e pela fato verídico e real que presenciamos, mas sim pelo conteúdo atual que perdura todos os debates e movimentos deixando o medo iminente do mal que nos ronda e o olhar amedrontado de pessoas que não sabem viver sem serem regidas por alguém, por algo, que precisam escancarar sua crueldade afim de afirmar o não fracasso pessoal que é sua vida tão vazia quanto os vazios deixadas por esse fato. Doloroso.