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Crítica – Eros | Crônicas do prazer silenciado por uma moral cega

Muito lindo o quanto Rachel Daisy está preocupada em transformar seus protagonistas em diretores, se distanciando como apenas uma observadora, como se sentasse ao lado do espectador, a fim de controlar na cênica construída a partir da ambiência dos motéis nossas emoções. Ela conta, através de histórias vivas de personagens reais, um pouco da sua sexualidade, da frustração que originou a ideia do longa, desconstruindo ideais preconceituosos e discriminantes em torno do ato sexual, de gênero e das fantasias como algo a ser considerado maligno.

O grande monstro falso moralista do olhar “cristão” — que mais cria revolta e repressão do que a tal sociedade utópica, “perfeita” e moralista — segue cegamente escrituras que não dialogam com seus tempos, e muito menos com as regras estabelecidas a partir delas. Com visões turvas, deturpam mandamentos para impor falsas verdades sem qualquer resquício de arrependimento ou consciência sobre as prisões sociais e culturais que criam, fazendo a vida parecer apenas uma passagem repentina por um caminho já escrito, onde “pisar fora da linha” transforma você no maior vilão da humanidade.

Os debates em torno de corpos desnudos discutem o olhar da sociedade sobre a sexualidade humana, os preceitos criados a partir de preconceitos que acabam por estigmatizar e mistificar algo tão comum — e, por que não, importante também — que define tão bem a raça humana quanto o desejo e o prazer. E não só o prazer sexual: o desejo pode ser material, lisérgico, metafísico, metabólico. Causa sensações. Assim como o prazer: o de ter, de conquistar, de realizar um sonho — ou apenas o prazer carnal da penetração, do toque, do chupar, do lamber, do ver, e do sentir. Seja momentâneo ou duradouro, o sexo é exponencial e derivativo, pode ser calculado, mas nunca deveria ter sido tratado como algo ruim ou maléfico.

A escolha de Rachel em contar várias crônicas dessas pessoas em suas idas e intimidades — não só com seus respectivos parceiros sexuais, mas também com o próprio motel — quebra esse olhar marginal do espaço. Ela torna o motel quase inacessível aos menos afortunados, que renegam seus prazeres em prol dessa visão pobre do sexo, majoritariamente empregada no senso comum. Um segmento especialmente potente é o de um casal gay que, após o sexo, debate sobre o olhar de Deus e os mandamentos, e percebe que não há nenhuma escritura que cite motéis. Esse momento concretiza o diálogo com a precarização do ato sexual, seja pela falta de acesso, seja pela necessidade de consumir o desejo em qualquer instância: em pé, embaixo de uma ponte, em banheiros públicos — lugares que constroem essa imagem marginal de tudo o que foge à norma heterossexual.

Outro trecho interessantíssimo traz um casal debatendo sobre etariedade no sexo e o desprezo por pessoas mais experientes, seja em idade ou vivência com o prazer carnal. A partir desse debate, é inevitável não pensar em como o autoconhecimento, o aprendizado, a experiência do novo — tudo aquilo que escapa da bolha — parece fora de alcance no mundo contemporâneo. São monstros e demônios criados e mortos a cada segundo com o maior intuito possível de podar a experiência do viver, do sentir, do olhar, de experimentar sabores e dores. Tudo é velado, tudo é errado, nada é certo. Quando tudo é pecado, nada é.

Um dos momentos mais sensíveis do documentário é o segmento de um rapaz sozinho no motel. Ele debate e entende o porquê de estar ali só. Aceita sua solitude — não de forma depressiva ou depreciativa, mas como liberdade corpórea e psicológica. Rachel, além de colocar seus personagens como estudo social, cria a materialização do motel como contador de histórias. A arquitetura dos quartos abraça seus clientes em espaços criados com objetivos “certos” que, ao mesmo tempo, fluem para a humanidade desarmada da entrega carnal. Há confiança e interesse por trás de cada parede. E, como pano de fundo, os gemidos de terceiros ecoam como um lembrete de que ali existe um universo à parte, onde os desejos — os mais diversos — são o alicerce humanitário.

O prazer da conversa. Da realização de uma fantasia. Do sair da rotina. Do andar nu sem amarras. De deixar o corpo ser livre por algumas horas. Isso é o que “Eros” documenta. Um mundo inteiro que resiste apesar do moralismo cego.

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Lucas Cine

Redator chefe de entretenimento da Update Manauara. Crítico de cinema, apresentador do Lucas Cine Podcast e fã de terror.

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