Lindo como Sean Baker imprime de maneira humanista da sua visão de como imagina Uma linda Mulher e as retóricas arbitrárias desfragmentando o discurso meritocrático enfadonho embrulhado com um mundo regido pelo patriarcado e o capitalismo voraz em que nada se foge da lógica mercadológica só que aqui articulada nesse microcosmo vivo do tipo de linguagem usada por Baker humanizando seus personagens que fazem o fluxo de acontecidos ser sufocante o suficiente para entrarmos naquela desventura de cabeça.
A maneira como Anora não só fomenta e concretiza a abordagem e visão de mundo do diretor como narrativa e decupagem mas desarticula e transforma uma roncom fantasiosa com tons aveludados do sexo como moeda de troca ao rápido estralo do retorno a realidade ordinária em que nada se merece e nada vai cair do céu sem que lhe custe a vida e deixá-la em frangalhos difíceis de costurar novamente. Uma realidade dura daqueles personagens pós não limitação da curtição, do mundano que faz a fluidez mesmo que com personagens detestavelmente adoráveis pelo olhar complexo de camadas interpessoais do cinema de Baker, de forma uma sequência onírica linda de acompanhar.
O conto de fadas às avessas e as contravenções transgressoras de um olhar asséptico pelo declínio de uma hegemonia em crise eterna escondendo seus fracassos pelas cores e neons que intimidam e iludem, mas não o mantém vivo, não lhe dão o pão de amanhã e tampouco liga para o seu bem estar. Um eterno looping finito de entrega e não recebimento pelos seus trabalhos, sejam eles quais forem, uma margem da sociedade jogada aos leões da batalha diária desencontrada com o sonho americano como maior alicerce de alcance não para engrandecimento pessoal, mas como status social de uma falsa felicidade de momentos plásticos e com data de vencimento.
Os pequenos momentos de ansiedade que Baker propõe em seus filmes nos momentos majoritariamente finais eclodindo suas tramas para status além daquela trama e abrindo o leque para N possibilidades, aqui se dá como extrapolação desse artifício narrativo encontrando um primo muito próximo do recente Joias Brutas e Depois de Horas em que o universo e a América engole a vida dos protagonistas em prol da história com controle predatório nos pondo como quase pervertidos por querer acompanhar tanta desgraça uma atrás da outra, que diferente das obras citadas, aqui o diretor encontra um senso do cômico de uma Screwball que nunca para, que não liga para o destino de seus personagens, como se nem Sean Baker tivesse controle, um caos desconcertado de pessoas quebradas.
O maior entendimento dessa abordagem cíclica em que nada se está em status quo nem quando ele cria blocos no seu filme é uma forma mais que fragmentada das várias maneiras de constituir seguimentos diferentes de uma certa espécie de brincadeira, o descontrole narrativo como abordagem e o desenvolvimento a partir do comportamento humano que dá vida as situações e corrobora para um dos melhores filmes do ano firmando Sean Baker como um dos melhores atualmente brincando com seus universos com seus comentários sociais afiados.
Mikey Madison se encontra como Ani e deixa essa personagem a maior personificação do proletariado em um fim de semana esbanjado com seu amigo rico de um nível acima do seu na empresa que antes eu tinha presenciado apenas em Falsa Loura e seu conto de fadas mundano com gostinho errático de uma pessoa com trejeitos que moldam suas ações em positivas ou negativas; que aqui em Anora encontra uma quase rejeição pela construção da mesma como se em suma não importasse, e realmente seja esse olhar mais raso pela vida dela a partir de um recorte temporal.
A purpurina, o neon e a música estonteante como trilha sonora da vida noturna que desencontra com sua realidade se dá como uma continuidade em rima visual em pequenos momentos ao restante do filme eclodindo na sua melhor forma numa sequência final de arrepiar que reflete o fim de um sonho fantástico de uma vida que não lhe pertence, que você, por definição ideológica, não merece.