Prepare o coração, patriota de bem. Parece que o mercado achou seu novo queridinho, e ele atende pelo nome de Tarcísio Gomes de Freitas. Sim, ele mesmo, o engenheiro que virou ministro e depois governador, e agora, se depender da revista Veja, será o herdeiro legítimo do trono da direita brasileira. Um homem que fala como técnico, age como banqueiro e pensa como agente do FMI.
A reportagem da Veja lançou sem meias palavras o “Plano T” — uma tentativa de consolidar Tarcísio como a nova esperança do conservadorismo nacional. E, olha, tem tudo pra dar certo… se o objetivo for vender o país em suaves prestações ao capital privado.
O que é o “Plano T”? A gente resume: trata-se de embalar o projeto neoliberal, dar uma polida no verniz tecnocrático, pregar a eficiência da iniciativa privada e entregar — com laço e tudo — o patrimônio público à sanha dos investidores. Se Bolsonaro era o vendedor ambulante do Estado brasileiro, Tarcísio é o executivo do e-commerce: mais limpo, mais arrumado, mais educado… mas com a mesma lógica de liquidação permanente.
O funcionário do mês do entreguismo
Tarcísio é a personificação do bom moço liberal: ex-militar de carreira, com postura polida e discurso técnico, ex-ministro da Infraestrutura durante o governo Bolsonaro — do qual se desvencilha quando conveniente — e atual governador de São Paulo. Um currículo que emociona os CEOs em cafés no Itaim e acalma o coração das consultorias internacionais que adoram um gestor com cara de PowerPoint e discurso de eficiência. Ele fala grosso com o setor público e manso com o mercado financeiro, sempre com aquela serenidade que só um quadro técnico com projeto político sabe incorporar. É o tipo de político que se vende como apolítico, mas joga xadrez em Brasília com peças de ouro.
O homem tem método. Seu governo avança como uma retroescavadeira sobre o patrimônio público, com a convicção de quem acha que tudo pode — e deve — virar ativo negociável. Privatizou, ou tenta privatizar, tudo o que encontra pela frente: Sabesp, CPTM, Metrô — não importa o símbolo, a história, o tamanho ou a relevância estratégica para a população. Se tiver potencial de lucro, passa o facão. É a escola do “Brasil não pode ser dono de nada”, mas agora com planilha do Excel, Power BI atualizado e camisa social azul clara passada com capricho. A lógica é simples: Estado mínimo para o povo, Estado garantidor para o mercado. Se der certo, é mérito da iniciativa privada; se der errado, o prejuízo é socializado.
Na verdade, o Plano T parece muito com o antigo Plano B da direita — aquele que começou a se desenhar quando o capitão começou a perder o brilho (e a elegibilidade). Só que agora vem com um toque de finesse: menos palavrão, mais planilha; menos motociata, mais seminário com empresários. E, claro, um discurso limpinho de que “o Brasil precisa atrair investidores”, como se já não estivéssemos entregando tudo com bandeja, guardanapo e cafezinho.
O Brasil à venda — agora com ISO 9001
A grande beleza do chamado Plano T — T de Tarcísio, T de tecnocracia, T de transferência do patrimônio público — está em sua promessa de continuidade. Continuar o desmonte do que levou décadas para ser construído, continuar a transferência de ativos públicos para mãos privadas, continuar difundindo a ideia de que o Estado é um peso morto, uma máquina ineficiente que só atrapalha o “progresso”. Nessa narrativa, o setor privado é o novo oráculo, a entidade que tudo vê, tudo resolve e, claro, tudo cobra — com lucro garantido. E tudo isso embrulhado em uma embalagem de “modernidade”, como se vender empresas públicas fosse uma inovação genial do século XXI, e não a repetição requentada de manuais neoliberais dos anos 1990. No fundo, é uma modernização sem povo, uma eficiência que exclui, um futuro onde o público só entra com o pagamento da tarifa.
A mídia tradicional adora. A elite financeira vibra. Os analistas de mercado escrevem notas entusiasmadas em seus relatórios semanais, com termos como “sinalização positiva”, “compromisso com a responsabilidade fiscal” e “ambiente favorável ao investidor”. A tradução disso é simples e direta: enfim, alguém que entende que o Estado só serve para bancar a infraestrutura necessária à acumulação privada — rodovias, saneamento, trens, linhas de metrô — e depois pode sair de cena discretamente, como um mordomo eficiente. Se possível, demitindo metade dos servidores no caminho, enxugando folha, cortando direitos e vendendo tudo o que não estiver soldado ao chão. A lógica é clara: o lucro é privado, o risco é socializado. O cidadão? Vira consumidor ou estatística.
E Tarcísio sabe jogar esse jogo com maestria. Não levanta bandeiras ideológicas escancaradas, não briga com o STF no Twitter, não comete deslizes retóricos que possam assustar investidores ou embaixadas estrangeiras. Ele fala em “governança”, “modelagem financeira”, “segurança jurídica”. Mas sua prática é tão ou mais radical do que a de muitos populistas autoritários. É um bolsonarismo gourmet, servido em prato de porcelana, com etiqueta e vocabulário técnico. Um entreguismo pós-graduado, com bons modos e ternos sob medida. E isso agrada profundamente a quem realmente manda: o mercado, os rentistas, os grandes grupos econômicos, nacionais e estrangeiros. Afinal, é muito mais fácil vender o país com charme e sem barulho.
O sonho das elites: um Brasil sem povo, mas com acionistas felizes
O sonho das elites é um Brasil sem povo, mas com acionistas felizes. O lançamento do chamado Plano T vem num momento estratégico: Lula enfrenta críticas dentro da própria base, Bolsonaro está juridicamente na lona, e a direita procura desesperadamente um novo rosto — de preferência mais vendável. Tarcísio surge como o produto premium da prateleira: ex-ministro com selo de tecnocracia, certificado de governabilidade e, principalmente, o carimbo dourado de aprovação do mercado. Ele não grita, não polemiza, não comete gafes em lives. Sua política é silenciosa, mas implacável. Um entreguismo com planilha, gravata ajustada e discurso moderado. A cereja do bolo para um sistema que quer continuar concentrando renda sem enfrentar resistência popular.
Mas o que isso significa para o Brasil real? Nada de novo — e talvez até algo pior. Significa mais Estado mínimo onde o povo precisa e Estado máximo onde o capital exige. Significa retirar da Sabesp o papel de garantir o acesso universal à água, e entregar à iniciativa privada o direito de decidir quem pode pagar para beber. Significa metrô mais caro, trem menos frequente e lucros recordes para quem nunca pegou fila na estação da Sé às seis da manhã. Significa que a lógica da eficiência vira mantra: se for “eficiente”, pode tudo — cortar direitos, terceirizar saúde e educação, demitir servidores, fechar escolas e hospitais. Porque, no fim das contas, a única meta real é agradar investidores — que, curiosamente, nunca tomam banho com a água da Sabesp.
Tarcísio é, no fundo, o futuro… do passado. Há algo de profundamente simbólico na forma como a direita embala o Plano T como se fosse uma grande inovação, quando na verdade é o mesmo receituário velho de sempre: abrir o país para os “parceiros internacionais”, desmontar a máquina pública, transformar o Brasil num grande shopping center de concessões e privatizações. É a cartilha liberal dos anos 1990 reeditada com vocabulário atualizado e marketing profissional. Mas o conteúdo continua o mesmo. O povo já viu esse filme: viu com Collor, viu com FHC, viu com Temer, e mais recentemente, com Paulo Guedes — o guru que prometeu um Estado do tamanho de um Fusca e uma economia do tamanho de uma Ferrari, mas entregou um Fiat Uno 98, sem ar, sem direção hidráulica, e com o tanque sempre na reserva. Agora, com Tarcísio, a diferença é que o Uno vem polido, com pintura metálica e o logo do mercado estampado no capô.
Considerações (nada) finais
O Plano T é, na prática, um projeto de país que não inclui o povo. É a continuação do velho entreguismo, agora com uma estética mais elegante, planilhas bem diagramadas e apresentações em auditórios climatizados. É a aposta da elite brasileira em um modelo onde o Estado só existe para garantir estabilidade jurídica ao capital, e não para garantir direitos sociais à população. Por trás do verniz técnico e das falas pausadas em coletivas de imprensa, está a mesma visão de sempre: o Brasil como um balcão de negócios, e não como uma nação com projeto coletivo. A esperança de uma elite que jamais engoliu a ideia de soberania popular, que vê o Estado forte como uma ameaça aos seus privilégios históricos, e que treme só de ouvir as palavras “redistribuição de renda”. É, acima de tudo, um alerta: a direita brasileira pode até ter trocado de roupa, mas não trocou de essência. O figurino mudou; a lógica de dominação permanece.
E Tarcísio, ao que tudo indica, está mais do que disposto a vestir essa fantasia de salvador da pátria — desde que a pátria esteja no nome da holding. Ele se apresenta como o gestor racional, o homem técnico, o anti-populista que trará “eficiência” ao serviço público. Mas por trás desse personagem, há um projeto de desmonte: vender empresas públicas como se fossem mercadorias em liquidação, enfraquecer os instrumentos do Estado que garantem igualdade de acesso e entregar setores estratégicos ao controle de grupos privados que não têm compromisso com o interesse nacional. Trata-se de uma liderança que prefere CEO a cidadão, ação na bolsa a direito constitucional, e balanço trimestral a política pública. O resultado é um Brasil cada vez mais privatizado, precarizado e desigual, mas vendido como se fosse uma startup de sucesso.
Portanto, ao leitor que ainda acredita em um projeto de nação comprometido com justiça social, soberania energética, acesso universal à água e serviços públicos de qualidade: cuidado com o Plano T. Ele pode parecer técnico, moderno, civilizado… mas, no fundo, é mais do mesmo. É a velha política de submissão aos interesses privados, agora com PowerPoint, blazer ajustado e sorriso no rosto. É um projeto que fala em eficiência, mas entrega exclusão; que promete modernidade, mas reedita o neoliberalismo falido de décadas passadas; que diz pensar no futuro, mas repete as fórmulas do atraso. E como toda boa estratégia de marketing, o perigo está exatamente na embalagem: bonita, bem apresentada, sedutora — mas vazia de povo, de solidariedade, de democracia.