A mais antiga espécie de formiga identificada até agora viveu no Nordeste brasileiro há 113 milhões de anos, no auge da Era dos Dinossauros, afirma um novo estudo. O fóssil, descrito por cientistas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), documenta uma fase da evolução desses insetos em que eles ainda eram relativamente raros e estavam longe de se tornar os invertebrados dominantes do planeta.
Medindo 1,35 cm de comprimento, a formiga ancestral recebeu o nome científico de Vulcanidris cratensis em artigo recém-publicado na revista especializada Current Biology. Apesar do tamanho diminuto, ela e suas parentes mais próximas costumam receber um apelido assustador na literatura científica em inglês, “hell ants“, ou seja, “as formigas do inferno“.
O apelido vem da mandíbula avantajada e incomum do subgrupo ao qual elas pertenciam. Em vez de se movimentar na lateral, como nas espécies atuais de formigas, tudo indica que a mandíbula das “formigas do inferno” se mexia na vertical. Isso levou até alguns pesquisadores a propor que ela podia ser usada para empalar presas.

“É uma coisa que a gente debate, porque os insetos costumam ser duros, rígidos, o que dificultaria esse empalamento, a não ser que a presa fosse algum tipo de larva“, diz Anderson Lepeco, primeiro autor do novo estudo. Outra hipótese é que o aparato bucal poderia ser usado para sugar seiva ou outras secreções.
“A gente tem de usar o que vê nos grupos viventes e fazer inferências. Do meu ponto de vista, a hipótese mais provável é que elas usassem as mandíbulas para carregar presas, já que temos fósseis mostrando isso“, argumenta ele, destacando que os grupos de vespas ancestrais das formigas, assim como as primeiras linhagens de formigas propriamente ditas, eram carnívoras, assim como as formas mais primitivas do grupo ainda vivas hoje.
O fóssil que permitiu a descrição da nova espécie vem da região do Crato (CE), na chapada do Araripe, uma das jazidas de fósseis mais importantes do Brasil e do mundo, o que explica o termo cratensis no nome científico. Já idris vem do termo grego para “providente“, ou seja, uma forma de designar as formigas, famosas pela organização de seus ninhos.
E o começo do nome homenageia Maria Aparecida Vulcano (1921-2018), considerada uma pioneira dos estudos sobre insetos no Brasil. Vulcano tinha reunido uma coleção de fósseis dos invertebrados e, após sua morte, a família doou o material ao Museu de Zoologia da USP.

Uma série de detalhes da anatomia do fóssil, que foi examinada com a ajuda de microtomografia computadorizada, permitiu que Lepeco e seus colegas concluíssem que se tratava de fato de uma formiga. Entre eles está a presença da chamada glândula metapleural.
“Ela é usada como ajuda imune, produzindo algumas substâncias que combatem bactérias e outros patógenos [causadores de doenças]“, explica ele. “É uma característica ancestral das formigas e está presente em boa parte das linhagens atuais e extintas.“
O indivíduo que se preservou tem asas e era do sexo feminino, o que é possível confirmar, curiosamente, observando as antenas. O último segmento da antena, o chamado flagelo, tem dez subdivisões, o que é típico das fêmeas —nos machos, costumam ser encontrados onze subdivisões.
Ainda não é possível saber se a espécie contava com uma casta de operárias sem asas, como é comum entre as formigas atuais. De qualquer forma, a preservação de um espécime voador está dentro do esperado porque a região da chapada do Araripe era uma zona pantanosa durante o período Cretáceo, na Era dos Dinossauros. E, num contexto com influência aquática, é mais fácil que insetos com asas acabem sendo preservados.
“Nesses ambientes, seria mais fácil eles serem levados pelo vento e depois caírem na água. Com isso, ficariam submersos e depois seriam soterrados rapidamente, o que facilita a preservação“, explica o pesquisador.