Produzido a partir de materiais sustentáveis e com potencial de acelerar a cicatrização, um curativo que pode ser produzido na Região Norte e nas demais localidades, à base de derivados de resíduos da indústria pesqueira, foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de Lavras (UFLA), como alternativa às bandagens importadas utilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O estudo foi publicado nesta sexta-feira, 2, na revista Materials Research.
A dependência da importação encarece o tratamento e torna o sistema mais vulnerável a crises globais de abastecimento. Batizado de CH50BGF, o curativo foi desenvolvido em formato de espuma e combina quitosana – um polímero natural proveniente da indústria pesqueira – com micropartículas de vidro bioativo, material cerâmico já utilizado em aplicações biomédicas.
Segundo a autora do estudo, a doutora em Engenharia Metalúrgica, Materiais e Minas, da UFMG, Talita Martins, além de favorecer a produção sustentável e local, a combinação confere alta capacidade de absorção de exsudatos, líquidos liberados por feridas, e promove a cicatrização. Nos testes laboratoriais, o CH50BGF demonstrou capacidade de absorção de líquidos de até 160% em 24 horas, desempenho considerado superior a muitos curativos comerciais disponíveis no mercado.
“A tecnologia também pode ser personalizada para diferentes níveis de secreção, como queimaduras de terceiro grau ou lesões por pressão. Nossos protótipos com a quisotana grau-médico produzida na UFMG tem apresentado resultados ainda melhores. Além disso, o custo estimado é consideravelmente mais baixo”, destaca a pesquisadora.
O curativo, conforme os estudos de viabilidade, custa cerca de R$ 20 por unidade, enquanto os similares estrangeiros variam entre R$ 50 e R$ 80. Outro diferencial significativo, de acordo com a autora, é o fato de ser produzido com resíduos da pesca, o que o torna o produto mais sustentável, enquanto os importados geralmente fazem uso dos materiais derivados de petróleo.

A quitosana, conforme a publicação, atua como antimicrobiano natural, mantendo a umidade ideal para a regeneração do tecido e inibindo infecções, enquanto o vidro bioativo libera íons que estimulam a formação de novos vasos sanguíneos e a produção de colágeno, acelerando o fechamento da ferida.
“Esse resultado reforça a possibilidade de conciliar sustentabilidade e alto desempenho, não apenas garantindo a porosidade necessária para a absorção, mas também preservando a integridade estrutural do curativo, mesmo em condições de saturação. Para um projeto voltado à substituição de insumos importados, esse resultado demonstra a viabilidade técnica de uma alternativa nacional, com potencial para reduzir custos e ampliar o acesso a tecnologias no SUS”, afirma Eduardo Nunes, doutor em Metalúrgica e de materiais e coordenador do estudo.
Em termos de viabilidade, segundo Nunes, o curativo nacional pode ser até 40% mais econômico em comparação aos equivalentes importados, especialmente por utilizar resíduos da indústria pesqueira que totalizam pelo menos dez toneladas por ano no país, sendo uma opção benéfica ao meio ambiente. “Tudo isso é relevante diante da grande demanda do SUS, que precisa de cinco milhões de curativos por ano para o tratamento de feridas crônicas”, enfatiza.
Fortalecimento de cadeias locais
Em um plano mais amplo, conforme o estudo, a proposta fortalece cadeias locais de inovação, integrando setores de pesquisa, indústria e agricultura. “É uma abordagem que vem aliviar a pressão sobre os recursos públicos e abrir caminho para políticas de saúde mais resilientes, capazes de enfrentar crises globais sem depender de mercados externos”, afirma Talita Martins.
Atualmente, a equipe trabalha para consolidar toda a cadeia produtiva, da obtenção da matéria-prima à padronização do produto final, envolvendo o aperfeiçoamento de processos sustentáveis de extração e purificação a partir dos resíduos da pesca. “O nosso intuito é estabelecer um protocolo robusto, que coloque Minas Gerais como referência nacional na obtenção dessa biomolécula”, ressalta.