Thunderbolts, dirigido por Jake Schreier, pode ser encarado como uma das mais potentes alegorias do universo Marvel. Ao reunir figuras vistas antes como coadjuvantes ou descartáveis, o filme constrói um painel de anti-heróis cujas dores e funções se sobrepõem à típica lógica messiânica do gênero. Aqui, os personagens são ferramentas: engrenagens de um sistema maior, usadas até o limite. Mas também são as conclusões emocionais desse mesmo sistema — a prova de que nada se sustenta sem os corpos que carregam os traumas e as ruínas da missão.
Jake Schreier entende a complexidade dessa composição e organiza seus personagens como válvulas simbólicas. Cada um deles representa uma quebra — seja ética, moral, física ou emocional. Ao contrário de obras como Eternos ou Viúva Negra, que tentam abordar personagens quebrados, mas se limitam em suas estruturas convencionais, Thunderbolts ousa usar a fantasia como veículo direto para a alegoria. É um filme que não tem medo de tornar a simbólica parte do espetáculo. A estética acompanha essa visão. Os enquadramentos e a decupagem reforçam o sentimento de solidão e de distanciamento — mesmo quando os personagens dividem o quadro, há uma sensação constante de ruptura.

Florence Pugh é o centro vital do longa. Sua performance como Yelena carrega um peso dramático genuíno, sem abrir mão de um carisma que torna cada cena sua magnética. Ela equilibra o riso e a dor com precisão, entregando uma personagem que entende a contradição de ser heroína num mundo que a tratou como descartável. Ao seu lado, Lewis Pullman (Bob) oferece uma energia tragicômica que funciona não apenas como alívio, mas como espelho emocional do que está em jogo. Juntos, e com os demais integrantes do time, criam uma dinâmica que não busca a coesão tradicional de um grupo heroico, mas sim a colisão inevitável de feridas.
A trilha sonora, assinada pelo coletivo Son Lux – o mesmo por trás de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo -, também contribui para a dimensão existencial de Thunderbolts. Há uma sintonia perceptível entre os dois filmes: ambos se valem da fantasia para discutir temas profundos ligados à identidade, à solidão e à saúde mental. Em Thunderbolts, a música não funciona apenas como pano de fundo, mas como prolongamento sensorial do estado interno dos personagens. Quando se escuta a trilha isoladamente, já se percebe sua carga emocional; mas é ao revê-la em momentos específicos do filme que o esmero da equipe se revela. Há um cuidado nítido em transformar o som em parte do discurso temático — uma ponte entre o universo quebrado dos heróis e suas tentativas de reconstrução interior.

Thunderbolts se destaca como obra porque enxerga seus personagens para além do espetáculo. O que move essa equipe não é a grandiosidade dos poderes, mas a tentativa desesperada de resolver traumas que os definem mais do que qualquer uniforme. Há humor, há ação, há mistério — mas tudo gira em torno de uma certeza: a de que mesmo as peças mais frágeis e aparentemente descartáveis seguem sendo a base silenciosa sobre a qual todo o sistema se equilibra.