Que nó na garganta. Fruto de um cinema minuciosamente detalhista, Ainda estou Aqui faz da lembrança uma lugar voraz de parcimônia e perseverança usando uma residência como personagem dialético da narrativa na qual tudo permanece e flutua dentre o tempo, fazendo os espaços contarem a estória intrépida de uma tragédia nacional sem escrúpulos, e sem humanidade. Os espaços alocados nas penumbras sentimentais deixadas por um crime sem um rosto, não foi alguém que marcou Rubens, foi o sistema, foi a cumplicidade doentia de ideologias catárticas e sem fundamento dentro de uma lógica narcisista egoica ultrapassando limites humanos deixando margem a selvageria animal como material e ferramenta de ideologia. Não há defesa para o que foi feito, não há lado que opere para tais tragédias, mas sim extremismos infantis como crianças demarcando qual seu brinquedo, irrefutavelmente até conseguir e perceber que nem queria mais. A forma como Walter Salles escancara essa realidade repressiva como maneira narrativa de trabalhar sua decupagem como se o jogo de sensações fosse mais importante que roteiro, e não que a roteirização aqui faça menos, mas a sobreposição dos espaços, ambiências e o respiro das lacunas consumadas pelo luto são uma marca que fica com você. O sofrimento imediato mediante ao desconhecido mal, a dor do não saber e a falsa sensação de satisfação são alicerces importantes comunicados pelas lentes de Salles. A visão quase que formulaica de apresentação da família não serve apenas como isso, mas sim para dar estofo ao que mais o filme está preparando terreno, ao cerne do longa intrínseco em todas as imagens formadas pelos movimentos; a presença. A presença material e líquida, o vagaroso, mas pontual entendimento que nada mais vai ser o que fora um dia. Momentos marcados por fotografias e pelo coração como guia. Aqui a fotografia se dá como maior dispositivo terreno de conexão humana, dado que filhos são criados para o mundo, que a vida os aguarda e que incessantemente estamos sempre a procura de memórias tentando encaixar e montar nossa vida como um todo como se fôssemos peças de quebra-cabeça ambulantes prestar a se perder e desfragmentar por completo. E a vida, há a vida, se temos a certeza mundana da libertação dos filhos, a da morte é mais certeira ainda, mas renegamos, afim de viver bem até chegar lá. Um retrato cruel que nos faz viver um recorte moldado pelos frangalhos de uma família despedaçada e vidas moldadas pela tragédia, causando impacto no público não pela história e pela fato verídico e real que presenciamos, mas sim pelo conteúdo atual que perdura todos os debates e movimentos deixando o medo iminente do mal que nos ronda e o olhar amedrontado de pessoas que não sabem viver sem serem regidas por alguém, por algo, que precisam escancarar sua crueldade afim de afirmar o não fracasso pessoal que é sua vida tão vazia quanto os vazios deixadas por esse fato. Doloroso.
Maneirismo como resgate de uma sociedade – Megalopolis (2024) Review
A forma como sobreposição da narrativa, a profusão estilizada de um artista que declara por imagens sua frustração como idealização de um projeto nada protocolar, mas sim como registro onírico da utopia e seus devaneios futurísticos abraçando uma lógica terrena, sem que forças estruturais vanguardistas que se debruçam à falsa nostalgia como método de vida, perdendo a identidade sendo apenas cópias como se fosse a salvação da humanidade. A materialização ímpar de Coppolla para a posteridade de um recorte não do tempo, mas sim da contemporaneidade e sua linguagem fúnebre de inevitáveis fins semanais de algo como a morte do artista que não persegue o tempo, mas sim para ele para si como se nada estivesse límpido o suficiente para respirar e galgar uma fantasia, uma babilônia que no fim das contas se fecha no terreno, no material, na contradição e crescimento coletivo dos ideais. No turvo tempo do tempo, estamos apenas flutuando, invisíveis e transparentes. O dialogo sobre um sonhador que é visto como um alguém distante e sem perspectiva de vida, a sociedade como alegoria da nossa geração e da nossa ignorância como se todos ali estivessem fazendo uma leitura metalinguística do filme, algo inominável que nem sei como definir tal experiência de espacialidade em um lugar fictício como artefato mais precioso de toda a obra, um lugar inabitável, mas sonhador, e porque não. Crível. Um sonho utópico com conceitos históricos de Roma e sua fascinação de trabalhar naqueles personagens a margem irreparável de caricaturas, fazendo com que o tom teatral do longa seja de bom grado e justaposto em posição de frente ao que Megalopolis se molda em toda sua rodagem, como seus seguimentos e os devaneios do nosso personagem principal como narrativa e o dispositivo, literal, que nos leva ao lado experimental do filme, transbordando amor por aquelas imagens. Gosto de como Coppolla encarna quase um personagem dentro daquilo tudo, meio que renegando o publico à passividade de um cinema artesanal em que ele mesmo está modelando e moldando para que todo o espetáculo ocorra; Um sentimento que vem muito de sua mão autoral e de um filme encorpado que nunca para, uma trama interligada, empolgante e cheia de estímulos brincando com algo mais terreno e atual, com a futurologia de Caesar, brilhantemente interpretado por Adam Driver. O que mais brilho os olhos mesmo aqui em Megalopolis é o risco disso tudo estar pronto, o quanto a dialética e dicotomia tem um papel central e frontal para a indústria, além de ficar para a posteridade como material de estudo de narrativa, de artes cênicas e suas tantas maneiras de dialogar a forma como maneira quase textual dentro da trama, com muita identidade e cautela em no que mexer, onde mexer e quando vai mexer. No final das contas, Megalopolis se torna um marco na historia do cinema cheio de escândalos e trunfos, de pesares, criticas positivas e negativas, tudo que ronda desde que o mundo é mundo, uma obra inesquecível. Esse universo tem um senso inenarrável de nos pegar pela mão e nos jogar em um jogo politico que vai além de ideais, de cartilhas ideológicas imprimidas em um longa, isso aqui é uma obra de arte contemporânea, seja quando você estiver assistindo.
A esterilização do macabro – Terrifier 3 (2024) Review
Ainda que consiga trabalhar bem a figura mística, cômica e teatral do palhaço Art, soa como se Damien Leone não tivesse o que contar propriamente nesse capítulo que transforma o filme em uma experiência sem uma narrativa coesa com uma montagem pra lá de quebrada. Se no segundo filme temos 2hrs30m, aqui é como se para não ficar com essa mesma duração, ele foi cortando tudo para que ficasse com menos, mas o sentimento que me trouxe é que foram cortadas partes essenciais pra dar liga a narrativa. Existem lacunas bizarras de acontecimentos que simplesmente acontecem e não há senso de espacialidade, como há no filme anterior. Gosto muito de toda essa mitologia por de trás do palhaço, do mal que aflige a final girl e uma coisa que muito me brilha os olhos é como Lauren LaVera da vida a Sienna com uma personalidade bem marcante que foge de vários esteriótipos do gênero tornando-a bem original com um drama muito funcional que por mais que na montagem seja mal alocado, narrativamente é muito interessante. Penso ainda, que aqui seja significativamente expressa essa correria de duração por conta de criticas ao segundo filme em relação a isso é essa parte da trama que ao meu ver tem muita importância ao universo, sejam duas cenas apenas durante todo a duração. O trabalho de maquiagem e como essa violência estetizada nos leva a lugares grotescos, aqui parece perder um pouco de força. E não me entenda mal, no segundo filme e como um todo temos Art como uma figura cômica e sanguinolenta, que faz da morte seu espetáculo, que pela extrapolação acha um lugar incomum de deixar as mortes cinicamente divertidas de assistir por nos colocar nesse lugar de querer ver frontalmente toda aquela brutalidade sem que nos faça necessariamente mal; Já aqui no terceiro, é tudo tão mal montado que não dá pra sentir nada, parecem apenas passagens para que a próxima cena aconteça. Quase como se as mortes fossem um intervalo para voltarmos ao filme. Escolhas nada autorais pegam esse filme e jogam ele numa crise estética e visual difícil de compreender quando nada conversa com nada, nem as mortes, nem os diálogos, e a espacialidade não vão de encontro e deixam tudo muito descolado parecendo que o filme vai se quebrar por inteiro em qualquer momento. Temos uma escolha e gama de ferramentas de violência muito bem impostas e pressupostas da mente dos assassinos e na nossa, existem momentos geniais de como estabelecer a violência imaginaria a partir do dispositivo e não pela grafia por si só. Tem muitos momentos inspirados acenando de Brian de Palma a Hitchcock e é isso que mais Damien consegue imprimir muito bem nesse microcosmo, sua diversão em produzir, e o quanto ele vai extrapolar tudo aquilo até suas ultimas consequências. Mas aqui nada cativa verdadeiramente tirando o vermelho do sangue e a diversão macabra marcante do seu cinema.
Boa amostragem do horror cósmico para o grande publico – Abraço de Mãe (2024) Review
O horror cósmico em sua essência precisa ser algo descolado da realidade com ferramentas essenciais quê deem substância para criar o grotesco tirando o espectador do lugar comum e aqui em Abraço de mãe temos uma trama mais concisa que pouco se arrisca na sua sujeira, mas abraça o enclausura mento em prol da ambientação que vai para além do que está em tela, mas sim do que está fora e da narrativa criada em volta das tempestades, do olhar social da má estruturação de uma sociedade. Gosto das inspirações que Cristian Ponce traduz para o olhar e uso de ambiência que mais tem a dizer do que a própria cinematografia mais limpa que mais causa uma sensação de inexatidão quebrando a experiência mas pegando na mão quando se trata da criatividade textual sabendo ir de um dialogo comum para algo mais ‘sem sentido’ dentro das convenções do horror cósmico, que vai se moldando durante a sua rodagem, mas que visualmente o filme parece não querer acompanhar tal crescimento e viradas. Falo muito sobre isso pois é muito estranho você assistir a um filme que está se movimentando no roteiro, a historia está caminhando mas as imagens e planos que você acompanha não trazem junto o filme. Mas não aquele caso clássico de dois filmes dentro de um brigando pelo protagonismo e olhar do espectador, quando um consegue fazer a deixa da aflição e sufocamento dos limites impostos pela casa que o filme se passa, mas os planos da casa mostram mais e mais compartimentos como se houvesse uma escapatória e isso importasse mais que estar preso e o que há dentro. Os acenos referenciais sejam visuais ou escancarados (alô alô João Carpinteiro) são um frescor diegético fazendo a experiência para além do horror e drama bem alocados dentro do suspense, se torna um filme bastante divertido em sobreposição estética trabalhando bem a Brasil dos anos 90 com uma Marjorie Estiano satisfatória em uma quase Final Girl, pois o filme se desvencilha do gênero em prol de uma produção de apresentação e de um streaming popular. Abraço de mãe traz uma visão limpa apresentando o horror cósmico, subgênero um tanto quanto escanteado pela maneira mais frontal de trazer um mal desconhecido criado mais pelo nosso imaginário do que propriamente pelas obras em si, mas muito funcional equilibrando apresentação dessa tipo de linguagem cinematográfica pro grande público e como encara a problemática do mundo real como motivo daquela situação limite dar luz a essa história. Fantasioso e dramático em medida.
Uma carta de ódio ao publico e indústria – Coringa: Delírio a Dois (2024) Review
Louvável o que Todd Philips faz aqui e a maneira com que trouxe pensa essa continuação que tanto reverberou por conta da sua maneira errática e nada sensível que faz seu primeiro filme ser patético. Aqui, ele ao menos resgata algumas coisas lá e existe um senso paupável de autoindulgência que é justamente onde o longa se distancia de si mesmo se tornando um esqueleto de montagens e cenas bonitinhas, que não comunicam nada. Ótimas ideias em um filme medíocre, mau executado, mau dirigido e sem identidade alguma. A única identidade de Philips é fazer “piada” com anão que se não me engano, faz isso desde Se Beber, Não Case. Que gosto amargo. Movimentos contra a indústria dentro de uma contraposição cíclica como narrativas vem tomando uma forma consideravelmente forte no cinema, mas especificamente em Hollywood que vem ou outra diretores conseguem expor suas ideias de maneira com que aja mais contra o publico, do que para o publico, algo frontal, algo genuinamente autoral que sim faz brilhar os olhos mesmo que tal ideias sejam retaliadas pelas mesmas logicas frontais, nesse caso aqui empregadas como musical. Aqui toda aquele tom de desesperança e sufocamento mau trabalhados no primeiro longa de 2019, dá vez a fantasia e ao cômico sabendo e entendendo seus personagens os tratando como antítese moral de tudo que dialoga e se esforça milimetricamente para que seja uma grande autoindulgência marcada e batida pela sua ferramenta mais criticada e frontal para com o publico que ele quer dialogar (que devem majoritariamente odiar musicais) que é o musical, além de trazer uma trama mais contida de tribunal pra lá de simbólica. Tal como a cinematografia mais sóbria, e não que isso seja mais ‘bonito’, existe algo ali para dialogar, existe um porque daquelas imagens, é o diretor querendo ao menos que tenhamos noção de que Arthur Fleck está ‘limpo’ ao mesmo tempo em que tudo aquilo pode ou não ser real deixando um filme divertido, e um trabalho bem legal de estudo de personagem trabalhando suas nuances e limites a partir do expurgo cinematográfico que transborda a tela. As cenas musicais aqui apesar de bem alocadas, são mal executadas quase como se fosse de proposital ser daquela maneira dialogando e imprimindo a tal ‘copia’ para si, já que o primeiro longa é rotulado apenas como apenas um amontoado de referencias a rei da comedia de Scorcese e Taxi Driver. Aqui ele pega um amontoado de musicas já compostas e só põe seus personagens para cantar. Apesar de todos os trunfos que Philips consegue alcançar existem muitas imaturas formas de trabalhar linguagem cinematográfica, tornando tudo muito prolixo e vezes pedante, mas que logo pega de novo no tranco, é como se fosse um filme instável, e vai saber se isso era intencional, será que é? será que Todd Philips brincou com toda nossa perspectiva filmica propositalmente pra enxergar no fim do túnel uma redenção? a resposta está lá no longa e se torna interessante demais o pós filme. Outro ponto interessante é a personagem de Lady Gaga que mais uma vez parece querer a todo momento não estar interessada em estar no filme, em tela, sendo registrada pela câmera. Causa desconforto como se estivéssemos presenciado algo parecido a experiência que tive com o curta Outer Space de Peter Tscherkassky, fazendo o sentimento de opressão e opressor ser mais entendível pela não verborragia. Coringa delírio a dois consegue ser quase tudo que o de 2019 tenta incessantemente desde tratar coringa como um personagem que se afunda nas suas ideias de mundo e como o vê tudo aquilo do jeito mais turvo e fantasioso possível, dando até espaço para o amor em meio a tudo isso, uma toxicidade de ambos os lados que deixa mal pela realidade dos dois, um embrulho na barriga genuíno da infelicidade e ciclo de violência do casal que não apenas serve para uma virada de roteiro patética que era tudo fruto da imaginação de Fleck. Tudo está na mente de Fleck, e aqui vivemos isso na pele.
A comoção em torno de ‘ainda estou aqui’ em suas exibições e suas chances no Oscar 2025
O filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, que estreia em 7 de novembro nos cinemas, é um dos favoritos para a lista de indicados ao Oscar de melhor filme internacional. Ele pode se tornar o primeiro representante brasileiro na categoria desde “Central do Brasil” (1998), que é do mesmo diretor, Walter Salles. A trama conta a história real da família Rubens Paiva, que sofre com o desaparecimento dele durante a ditadura militar. O filme é baseado no livro de um dos filhos do político, o escritor Marcelo Rubens Paiva, que relata a luta da mãe, Eunice, para entender o que aconteceu com o pai. No longa de Walter Salles, ela é interpretada por Fernanda Torres, na primeira fase do filme, e por Fernanda Montenegro, na segunda etapa. A atuação de Torres está sendo exaltada tanto no Brasil quanto no exterior, tanto que ela recebeu um prêmio do Critics Choice Awards e aplausos por 10 minutos no Festival de Veneza. E todos esses aspectos levantam a expectativa de que Ainda Estou Aqui tenha grandes chances de ser indicado e – quem sabe – receber um Oscar. Em 1999, Fernanda Montenegro concorreu ao Oscar de Melhor Atriz por papel em Central do Brasil, de Walter Salles. Apesar de ter perdido o prêmio, o momento marcou a história, já que ela foi a primeira brasileira a ser indicada na categoria. Mais de duas décadas depois, a atriz, ao lado da filha Fernanda Torres, está no elenco de Ainda Estou Aqui, longa do mesmo diretor que foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o país na premiação de Hollywood.
A Indústria como materialidade do horror e seu esvaziamento estético – REVIEW Sorria 2 (SMILE 2)
Por mais que Parker Finn tente muito trazer uma abordagem nova para seu filme de maldição, acaba por cair em excessos que no primeiro longa já davam um sinal vermelho mas que aqui encontra uma narrativa completamente descompassada que vai tentando se encontrar em meio devaneios e regras impostas pela maldição, que ao meu ver mais faz mal para a o filme do que beneficia ele. Arrasadíssimo e com muitas coisas deixadas pelo caminho. A indústria e nossa geração está sempre em confronto, tentando gritar para o mundo de varias maneiras a podridão da mesma e como isso afeta o individuo de diversas maneiras. E em um ano que temos várias obras com essa abordagem faz parecer que o maior tom de originalidade é criticar a mesma como se isso fosse quase um gênero a parte, na logica estadunidense funciona mais como ‘fale bem ou fale mal, mas fale de mim’ fazendo com que tal discussão, devido as abordagens limpas que parecem mais corroborar com os ideais da indústria fiquem pra lá de vazias. Parker Finn, que trouxe Sorria em 2019, que apesar de seus usos genuínos das ferramentas do horror, conseguia alocar e comportar todos seus personagens nas penumbras do terror social e psicológico das inúmeras possibilidades de um mal inalcançável, imparável que brinca com nosso imaginário , partindo de um simples sorriso fazendo a estranhice do gênero entrar em um estado de horror paralelo a realidade da protagonista, que por muito e pela sua própria realidade imposta pelo roteiro para introduzir a tal abordagem clinica de transtornos mentais usado como cerne da perseguição unilateral da entidade. Em sua sequencia, Finn busca seu filme recorte para com a indústria, quase como se quisesse entrar na roda de conversa, de maneira completamente torta, diga-se de passagem. Não que essa abordagem não funcione, muito pelo contrario, é que aqui durante sua rodagem ele busca diversas maneiras de dialogar algo que tanto já fora estabelecido em seu anterior, como em excessos estilísticos que mais fazem dar uma sensação de repetição do que transformar e progredir sua trama junto a decupagem, saindo completamente pela culatra deixando o filme apenas redundante em vários momentos. Um filme um tanto quanto descompassado, que em sua essência até funciona muito como a sequencia do ‘mais’, só que quando esses vícios de linguagem cinematográfica quase que iniciantes contaminam todas suas composições e nada parece natural, acaba por ser apenas uma continuação a pedido de produtora, sem que o criador tivesse autoria sobre uma historia de maldição, que por si só precisa e muito de criatividade e sujeira para trabalhar as infinitas possibilidade do que a nossa mente pode criar com o horror e não deixar apenas no estado mais asséptico possível, reduzindo todas as possibilidades a meras viradas de roteiros. Sorria 2 procura dentro de seu debate cínico sobre a indústria, a materialidade dos medos ligados a traumas e figuras metalinguísticas , que por fim se torna apenas panfleto de um terror marcado por batidas e ferramentas do gênero, mas sem ser terror.
A dicotomia substancial dos corpos na indústria / A Substância (2024) – Review
Sem muitos exageros e hipérboles (que esse filme merece), gosto de como Coralie Fargeat pensa os corpos em seus filmes e as varias maneiras de linguagem corporal que ela consegue extrair do mesmo aqui elevado a máxima potencia. É como se os microcosmos que ela cria fossem tão criveis, que para as ferramentas narrativas realmente funcionarem ela dá vasão à fantasia e ao lúdico de maneira uniforme extrapolando a dialética para além da composição de imagens e saindo da logica estadunidense de pensar cinema como muitas vezes, um recorte morto de um universo parcialmente criado como muleta narrativa para manter o publico sempre engatilhado naquele universo, e não imerso. Aqui a imersão e o design de produção, que evocam muito do cinema de David Lynch desde o filtro pasteurizado até em como as pessoas são completamente inúteis para a existência daquela realidade e tudo está em eterno status quo de uma vazia, mas bela cidade tratando tudo e a todos como meras ferramentas alimentando um fantasma invisível, mas muito presente, da indústria. Demi Moore estar aqui no papel de Elizabeth Sparkle é sublime, e porque não poético. Uma musa de Hollywood que com o tempo entrou em desuso pela indústria, cada vez aparecendo menos em filmes. Senti durante todo o filme como se Moore usasse Sparkle para se divertir e falar através da arte e de onde ela pertence de como lhe fora tirada tudo aquilo e um quase aviso pra posteridade. Em certos momentos, eu sinto que Fargeat usa o próprio filme como antítese e divide ele como dispositivos penetráveis em um jogo de sensações que vai afunilando cada vez mais e a cada vez que se vai usando a eloquência de maneira pragmática, o filme fica cada vez mais perto da nossa realidade, e em dada cena se há afirmações de que tal pessoa está linda, está do jeito que deveria estar, ‘perfeita’, e assim como na vida real esses padrões não são alcançáveis e só de existir um padrão para isso já é de se regurgitar, as consequências disso são tão humanas que fica até difícil de acreditar que aquilo é apenas ficção. Comédia, Aflição e horror aqui andam de mãos dadas como pura frontalidade em um cinema desafiador para quem não está acostumado. Uma maneira linda de trazer esses debates como sendo estapafúrdios na visão e corpo de alguém que está alocada naquela realidade, fazendo com que todos os cenários sejam extremamente memoráveis e você sentisse o cheiro das coisas, as formas e cavidades. Filmadas das maneiras mais geniais possíveis, um POV errático nos jogando literalmente dentro das coisas. Os vários dispositivos plantados durante a trama da maneira mais fluida possível e que conversam com todos os momentos do filme nos levam a ir numa queda vertiginosa na psique de uma estrela em declínio e como isso vai moldando sua realidade para consigo mesma. A Substância é visceral, bruta, cômico e fantástico.
A imagética da mística profana / Vínculo Mortal (Longlegs,2024) – Review
Começo a falar de Vínculo Mortal pela reverberação de um viés de confirmação que se concentra em muito se pontua o medo do gênero ser tal gênero. Ao meu ver é como se fosse uma afirmação contraditória a partir do momento que o “pós terror” não se toma como existente na própria lógica cinematográfica dito que cai por terra ambas afirmações quando se na história do cinema temos tantos outros longas (baseados ou não) na abordagem mais estéreo e fria de um personagem. A cinema contemporâneo tem como principal obstáculo o próprio público que subestima a capacidade dialética do filme por entender suas bases de onde são baseadas e inspiradas, como se isso fosse um grande problema e como se no cinema isso não fosse uma realidade, ai sim, atemporal e que vai perdurar e transbordar para além do cinema. Arte é isso. A forma com que Oz Perkins pensa suas imagens e as várias maneiras dele trabalhar o mau encarnado através de espelhos da sociedade tratando seus personagens com descompasso social como se cada um daqueles pudesse ser uma face do mal em sua essência mas não por motivos fantásticos, mas sim pela selvageria humana, o descontrole mental frágil que assombra a sociedade que molda todo o ambiente em torno. Parte da trama que mistura vários elementos do gênero, de narrativas, faz com que todos os personagens lidem com desafios, com medos e com fantasmas do passado imutáveis, mas que mutam a essência humana de cada um a partir de literais dispositivos, transformando-os como se houvesse uma entidade que muitos renegam por uma asséptica visão moral e errática de um mundo cinza sem grandes novidades. O frio, a gelidão de sentimentos que carregam em seus corações por toda uma vida ordinária na qual não se há respiro, uma propagação de vida, do viver e do sentimento de manter-se são o suficiente para lutar com todos esses monstros que, quando tragos para a vida real e trazem a tona uma carga emocional que antes não estava ligada ao ato de viver, agora anda lado a lado com a ameaça que te persegue e atormenta dia e noite. Vínculo Mortal é um longa que abraça seu design de produção procurando imprimir o medo em cada lacuna e usando o mesmo como descarrego emocional de alívio quando finalmente temos o mal em carne e osso, e os desdobramentos de uma investigação ligada de maneira intrínseca ao passado, ao trauma e o horror de lembrar, pois a partir do momento que se lembra, se sente, se vive. O horror aqui, como parte de um grande jogo de sensações, por mais que limitadas, mas não de maneira ruim, são sensações impostas pelos protagonistas daquela investigação que vão sucumbindo ao jogo doentio do mal que vai escalonando e deixando o cerco fechado, mesmo que aparentemente pela frieza que o ambientação trabalha, pareça ser apenas algo cíclico que nunca vai acabar. Um filme de investigação de horror sobre um serial killer metódico que vai muito além do apenas sobrenatural, investigação e da morte para uso de gore. Aqui se trabalha a misticidade profana imprimido com maestria a partir de imagens e pequenos momentos que dão respiro em meio a frieza onde todos estão alocados. Um jogo maldoso com gostinho abstrato de morbidez.
O voyeurismo assistido/ Motel Destino (2024) -Review
Gosto de como Karim usa da estilização Neo-Noir para dar profundidade na sua já esbelta linguagem cinematográfica, trazendo aqui um mergulho atmosférico dentro do Motel Destino, local que o filme se passa e se torna um personagem que a cada segunda sua história é contada pelos sons e seus respectivos donos que vivem ali. A lógica do cenário do filme ser um Motel e o Background sonoro serem gemidos é de um esmero sem tamanho que torna a experiência pra lá de sensorial nos colocando como espectadores ávidos e viciados, Tal como o Voyeurismo Hitchcockano que ronda a misencene de todo o Motel seja em cenas de câmeras, seja em como a câmera de Karim passeia e encena seus personagem, sempre observados, assistidos. A profusão de elementos estilísticos que fazem a composição de uma realidade crível, cria uma identificação quase que instantânea com uma fotografia linda que fora totalmente filmado no Ceará. Como se aquele ambiente e lugar estivesse engolindo os protagonistas deixando-os hipnotizados e estagnados no tempo, com pequenos lapsos de sobriedade. Sobriedade essa que Aïnouz busca de várias maneiras tirar do seu filme, mas falha em alguns momentos e acaba por deixar apenas algo que poderia e ser mais sujo e gráfico, em algo mais contemplativo. E não que isso tenha problema, mas no tipo de narrativa e com os dispositivos narrativos que ele tem em mãos ele poderia bagunçar muito toda a estética do longa, assim como ele chega a entregar, até em momentos com tons de horror, mas isso nunca se é abraçado por total. A forma com que as relações vão se estreitando e sendo construídas quase que como uma correlação imediata ao progresso em que o Motel vai sendo “consertado” e olhado com outros olhares por aqueles personagens, o triângulo principal fica numa limiar ininterrupta, ficando cada vez mais tensa e moldando uma tragédia que pode implodir a qualquer instante com nervos a flor da pele . Os corpos aqui são usados mais como ferramentas e descarrego de tesao do quê propriamente de sexualidade e amor. É tesao carnal, desejo, suor e lágrimas. São sentimentos e pessoas interligadas ao tesão que geram tensão por toda a duração, moldando seu personagem principal, o destino.