Fui assistir ao live-action de Minecraft mais pela curiosidade do que entusiasmo – afinal, como transformar um jogo tão aberto, feito de bloquinhos e possibilidades infinitas, em uma narrativa com começo, meio e fim? Além de não gostar pessoalmente do jogo, apesar de mais da metade de meus amigos já terem chamado para jogar. A surpresa veio logo nas primeiras cenas, quando percebi que o filme não estava preocupado em ser fiel ao jogo ao pé da letra, mas sim em capturar o espírito dele: a criatividade, a aventura e, acima de tudo, a brincadeira coletiva. Que era o que via nos meus amigos e achava bem legal ver eles animados jogando e criando. Dirigido por Jared Hess (Napoleon Dynamite), o filme acompanha um grupo de adolescentes que, por acidente, vai parar dentro do universo de Minecraft. Lá, eles precisam unir forças com Gabriel (Jason Momoa, num papel mais doce e protetor do que o habitual) para impedir a destruição do Overworld. É curioso como Momoa já havia explorado algo semelhante em Slumberland, da Netflix, onde conduzia uma criança por um mundo fantástico. Se Uma Aventura LEGO brincava com a metalinguagem e a quebra da narrativa para revelar um mundo fora do brinquedo, Minecraft – O Filme faz algo semelhante, só que de maneira mais sutil e intrínseca. Aqueles personagens têm problemas no mundo real — familiares ausentes, sentimentos de inadequação, solidão. Mas, diferente do que se espera, o jogo não é uma fuga. Ele é o meio que conecta essas pessoas. O lugar onde elas se encontram, se escutam e se fortalecem. Lembrei muito de A Pedra Mágica (2009), do Robert Rodriguez, que vi quando era criança. Também ali, a fantasia surgia como um reflexo do que sentíamos por dentro, e não como uma fuga. assisti Minecraft ao lado de uma criança, e foi uma experiência bem divertida. A sala estava parcialmente cheia, era bonito ver como as crianças reagiam – rindo, torcendo, ficando tensas nas sequências finais. Tudo com respeito com a experiencia do próximo. O filme acerta em não reforçar estereótipos antigos sobre quem joga videogame. Em vez da visão ultrapassada do jogador como alguém solitário ou agressivo, o que se mostra aqui é outra coisa: pessoas que encontram companhia, criatividade e até coragem nesses mundos imaginários. E que, no fim das contas, preferem viver a vida real, mas uma vida em que não se sintam sozinhas. Minecraft – O Filme pode não revoluciona em nada. Sua trama é simples, e alguns momentos são claramente voltados para agradar os fãs do jogo. Mas há um coração pulsando forte ali. E talvez o maior elogio que se possa fazer seja esse: é um filme que entende que brincar, sonhar e criar são formas de estar com o outro.
Materialização Cômica do Medo da Morte – O Macaco (2025) Critica
Oz Perkins definitivamente é um dos diretores que mais me chamam atenção no contemporâneo. Para olhares mais assépticos esperando falsas expectativas criadas pelo senso comum em volta do gênero de terror deve ser um baita balde de água fria chegar em um filme que o marketing, estrategicamente trabalhou nos nomes de Oz Perkins, pós sucesso de Longlegs, James Wan que por si só é gigante no gênero, e Stephen King, o rei dos contos, das histórias e livros de gênero. Que ao chegar no filme se depara com um filme de Terrir, sem ter medo de abraçar nenhum gênero que se propõe, em momentos completamente diferentes. Os comentários sobre O Macaco muito se fala sobre “ser um filme bagunçado” e afins como algo pejorativo, mas aí onde, para a minha pessoa o filme brilha, brilha de uma maneira com que minhas bochechas ficaram erguidas o tempo todo com um sorrisão de satisfação de estar acompanhando alguém com tamanha criatividade, ou, nesse caso astúcia de tratar dessa maneira esse filme que, mesmo com um diálogo parental retratado em Longlegs, Blackcoats Daughter de traumas, do maléfico e do satânico em relações interpessoais passando seus medos e traumas para o próximo. A comédia aqui é empregada de maneira satírica indo desde comentários alegóricos imagéticos de críticas armamentistas, traumas de guerra, bullying e até mesmo o senso de vida passageira que a vida tem naquele universo. Todos são erráticos, desiguais, imprevisíveis e acima de tudo, humanos. E isso traz uma comédia astuta imprimindo o quão louca e fantasiosa é aquela história. Até mesmo a maneira com que tais mortes são filmadas, o grafismo, a descolagem do crível, mas sim do excesso, da extrapolação e do movimento de câmera dando impacto a essas mortes sem que mesmo conheçamos as vítimas. Não li o conto em que o longa se baseia, tampouco o livro em que o conto está -“tripulação de esqueletos”, e não que isso faça alguma diferença visto que são linguagens artísticas totalmente diferentes e uma não deve validar a outra. Mas com base em outras histórias que já li de Stephen King, me agrada muito todo o corpo estético desde a fonte que está no cartaz e durante o filme todo, o tom cartunesco das mortes encenadas e o encontro catastrófico de todas as narrativas em uma explosão sem sentido do mais profundo lugar comum em que poderíamos chegar. O humano por de trás da corda, a vingança barata e a escalada megalomaníaca a partir disso. Para além de toda carga dramática trajada da linguagem cômica indo de encontro ao expositivo temos uma materializar desse discurso sobre o medo da morte, que aprisiona vidas que não vivem esperando o pior, moldando a crescente de loucura como ligação intrínseca do objeto amaldiçoado para com suas vitimas. E isso se estende até o ultimo segundo em um senso de autoconsciência lindo de assistir. Um filme em suma, fraternal em suas entrelinhas do medo da morte e o alivio do sentimento de perda como quase decupagem para isso. Tirando toda a casca cômica e cruel das mortes cada vez mais usando o corpo para causar incomodo e risadas de situações tão mundanas e criveis, que faz com que toda a brincadeira das mortes, da ressignificação delas e como elas ao mesmo tempo que são importantes, acabam que no final são apenas trilhas no caminho do vilão. Vilão esse construído a partir da quase não aparição demostrando uma certo cuidado a imagem dele e o quanto ele é a personificação de tudo que o filme trata e mostra durante toda sua duração. Em comparação direta podemos por Premonição como esse lugar comum de onde podemos ir de primeira com a contagem de corpos e um inimigo invisível que pode vir de todos os lados, todos os objetos e de qualquer maneira mortal possível para que o desejo dele seja sanado. Um filme que esbanja inquietude estruturada no seu ambiente e sua fragilidade, que ao mesmo tempo desarticula a complexidade humana de seus personagens para serem peões perfeitos no jogo macabro da morte. Ou seja qual for a entidade dentro do Macaco. A sacada de termos um vilão sem planos aparentes agindo de forma completamente infantil e verborrágica como uma criança birrenta é uma das melhores escolhas para esse filme. Afinal, é um filme sobre as varias maneiras de se lidar com um luto e como aquilo vai perdurar sua vida, mesmo que amaldiçoada. Oz Perkins soube trabalhar como ninguém todas essas amalgamas de temas e narrativas mesclando com tom e abordagem, usando da estilização para aquilo tudo ter estofo cênico pondo em crise todo Niilismo através de mortes brutais. Mais que tudo, O Macaco é um filme que dobra suas apostas quando elas já estão postas totalmente sobre a mesa, tirando a passividade da linguagem narrativa em prol da frontalidade de temas como o medo da morte, luto, a instantaneidade do desfalecer do corpo humano e o quanto somos passageiros por aqui.
Arquitetura sem planejamento – O Brutalista (2024) Crítica
Brady Corbet Parece ter entendido muito bem conceitos arquitetônicos, e como contar algo a partir das estruturas, se vê paixão e vontade de contar a história de O Brutalista. Mas parece que tudo desanda quando ele se dá de encontro de que, para além de tudo ele precisa arquitetar planos para construção de personagens, para o entender de formas. Até mesmo suas escalas, proferidas no texto e em vários diálogos pra lá de expositivos, não se encontra, não encaixa, são grandes momentos criados muito pela trilha sonora e movimentos de câmera, que não ressignificam em nada o teor épico e monumental trago por toda uma tecnicalidade em torno do filme. Apesar dessa falta de tato dramático pra arriscar algo mais profundo, sobretudo pela segunda narrativa em que Felicity Jones dá as caras e mais um núcleo é ramificado, temos uma primeira sequência de acontecimentos muito bem estruturada seja nos comentários sociais e políticos, seja na criação de tensão em torno dos planos para construção do tal projeto, e que até certo momento vai seguindo fluidamente, e que sim, poderia enxugar muitas tramas em prol da unidade filmica, aqui inexistente. E não que o filme “tem que ser menor” ou “muito longo”, muito pelo contrário, nem senti a duração, digo mesmo em questão de escolhas do que fazer com o filme, são 3hrs20 para que ainda aja um epílogo professoral explicando o personagem principal. Um filme que desmonta seus núcleos a partir de pequenos dramas e como eles afetam a estrutura em questão, sua construção e todas as jogadas sociopolíticas envoltas naquilo. Núcleos desmontados, mas desencontrados em como estabelecer uma problematica para que seu filme engaje, sem que realmente toda aquela tensão criada, e ambientação sejam postas em crise de alguma maneira, é tudo muito asséptico, desprovido da vontade de contar uma história, ou de criar cinematografia para tal argumento tão artístico que existe no cerne do filme. Contudo, reitero muito o quanto a primeira metade de O Brutalista com apenas a vida desgraçada de Laszló Tóth, e sua jornada impetuosa pelo reconhecimento da sua arte, mas sem que necessariamente ele queira alcançá-lo, dado momento em que tudo dá tão errado que ele apenas se torna mais um peão no jogo de peças brutal do capitalismo estadunidense. Que se é muito esclarecido (até demais) pelos comerciais narrados da atual situação econômica da América, não necessariamente da nação, mas sim de localidade específica, que no fim das contas é apenas um vetor para a grande máquina estatal engolindo tudo e a todos. Quando se há o mínimo de lampejos cênicos na direção apática de Corbet, temos alguns planos interessantes, como quando no terço final do filme se constrói um plano mesclando a arquitetura da casa dele com ele mesmo, sobreposição como metalinguagem narrativa que comunica muito mais do quê quaisquer diálogo antecessor a esse plano. Ou até mesmo em um que um amigo italiano de Laszló está andando pelas lacunas inacabadas da construção e existe um voice over como se lá dentro todos virassem apenas escombros falantes engolidos por algo que nem eles mesmos entendem, a beira da loucura, provida da procura inconsciente da perfeição. Até mesmo a personagem de Felicity quando entra na trama, mesmo com uma das problematicas mais bem trabalhadas na trama, se esvai em momentos dolorosos afim de criar, então, um peso dramático que novamente cai no mesmo desuso que todas as outras tentativas de manipulação de emoção, ou do diálogo sobre arquitetura atravesse o campo da teoria, das inúmeras falas sobre a grandiosidade de algo que não se concretiza, que eu e minha vivência levamos a outros campos que não dizem respeito ao filme, que obviamente não fizera isso, mas que irei comentar a seguir. Se em Megalopolis Copolla trabalha a arte como alicerce estrutural daquela sociedade e a política apenas como meio para as formas, aqui em Brutalista não a essa cadência e manejo de narrativas. O escopo grandioso é o alicerce do idealizador desse filme, infecta ele com suas grandiosidades e não consegue extrair nada do que se propõe durante todo o longa, são coisas muito interessantes proferidas, são sonhos e uma temática interessantíssima jogadas ao relento para satisfação egoica de uma produção rasa. Além do quê, o diretor quanto pensador social parece querer apenas criticar, sem desenvolver nada a partir disso. O Brutalista se encerra e o sentimento que fica -infelizmente- é de um filme perdido, com bastante potencial, temático e cênico apostando todas suas fichas na autopropaganda de um filme para a academia fingindo ser progressista, mas que no fim das contas é tão conservador quanto seu personagem “vilanesco” vivido por Guy Pearce. A decupagem aqui é quase como uma antítese do seu filme, desprendendo tecnicalidades tentando emendar em um filme descompassado.
Aventura fofa que esquenta o coração – Flow (2024) Critica
Se ano passado tivemos meu amigo robô, uma tragédia cômica bordada com a linguagem muda como abordagem para contar aquela história, falando sobre as relações indistintas entre seres e a interseção da tecnologia no meio disso tudo, também fazendo uma correlação do finito da vida e o amor entre o inanimado e o animado, esse ano temos Flow, uma animação que se utiliza do mesmo artifício narrativo para contar uma história igualmente linda. Assisti Flow a alguns bons meses, perto do final do ano de 2024 e foi uma experiência interessante, da quase gameficação de um jogo indie em que o desenrolar da história não se é contado, mas sim mostrado a cada novo desafio -fase- se é passada. Quando a personagem da Garça entra em cena somos apresentados ao nossos olhos e ouvidos dentro daquele universo. Que também é quando a fantasia da figura enigmática toma conta da tela, mesmo que nossos mais importantes personagens sejam os tripulantes primários daquela viagem. Pensando agora na animação, no estilo dela e vendo a comoção da Letônia como um todo nos mostrando o poder da arte, suas várias maneiras e formas de atravessar indivíduos e o coletivo, que sempre ponho como uma referência principal para a arte como um todo, Flow chega nesse lugar lindo de concretizar sua ideia no país de origem, e isso é lindo. Mais interessante ainda quando em um ano temos também Robô Selvagem sendo lançado, dialogando sobre meio ambiente, tecnologia, relações de seres vivos e a sobrevivência interligando a todos, moldando o ambiente em que se encontram, Flow também faz o mesmo comentário, em que os humanos (aqui apenas como agentes invisíveis de destroços) são tão presentes quanto todos os outros personagens em tela. Flow é um respiro de fofura, em que os medos são evocados pelas vidinhas ali jogadas no futuro incerto de um mundo invadido pelo maior inimigo natural da vida humana, a natureza.
Sátira Politica polida por Estúdio – Capitão América: Admirável Mundo Novo (2025) Critica
Acredito que Admirável Mundo Novo seja uma ótima ideia do diretor Julius Onah e dos roteiristas dentro de um filme alocado no aprisionamento da cartilha da Disney/Marvel. Uma onírica aposta de uma sátira ao governo estadunidense dentro desse universo de heróis. Harrison Ford parece estar se divertindo nesse papel canastrão criando uma persona risória em muitos momentos. O gênero ação dentro desse suspense mais cadenciado de conspirações e espionagem quebra o filme ao meio quando entram em cena, pra lá de mau filmadas e sem inspirações, são stunts mau coreografados que sinceramente não fariam falta nesse filme se tirassem, e com certeza todas devem estar no trailer, em sequência. Não consigo enxergar nem de longe esse mal filme que eu vi ser tão reverberado. E isso não é um descrédito a opinião de terceiros. Mas sim a maneira e como são opniões lavadas, alienadas e copiosamente preguiçosas de um público que vai assistir ao filme querendo e procurando coisas ruins em filmes, que mais me parece um desgosto terrível pela sétima arte e mais a correria de como dar opniões que o próximo irá validar. Uma grande amálgama de inverdades sobre um filme interessante que é esse novo do capitão América. Um aspecto que me fez ficar bastante ativo no filme foi a trilha sonora da Laura Karpman, que já fez outros trabalhos dentro da Marvel e está no indicado ao Oscar ”The Only girl in the Orchestra” sabendo conciliar muito bem o tom em momentos específicos. E já nesse núcleo de trilha sonora, também destaco uma musica em especifico de The Fletwood, ”Mr. Blue” que se torna um dispositivo enigmático contribuindo ainda mais para a trama de suspense politico que vai se montando em todo o primeiro terço do filme, reforçando o dialogo de visão politica que ao meu ver é muito bem estabelecida pelos idealizadores, mas que nas tantas refilmagens, foi totalmente perdido. Um filme curioso em tempos polarizados políticos e sociais criando uma intersecção entre todos os elementos que tem em mãos fazendo comentários raciais vindos da série do Falcão, que aqui não precisa ser novamente introduzida. Vai criando aberturas e entrelinhas expostas da sátira buscando a compreensão validadora do estúdio fazendo com que o resultado final perca essa força. Mas mesmo assim consigo enxergar dentro do filme tudo o discurso, que deveria ser muito bem representado em seus primeiros testes de exibição. E sem dificuldade alguma, muito pelo contrario acho que está bem mais explicitado do que parece. Admirável Mundo Novo pode sim ser uma falha reestruturação de Soldado Invernal, para muitos um dos melhores da Marvel. Não sigo nessa afirmação pois assisti apenas na época de lançamento no cinema e lembro pouquíssimo do mesmo. Mas se todo filme dentro da Marvel ou do estúdio Disney for uma emulação de cartas marcadas usadas para validar seu desgosto por alguma produção, transparece a ‘vitória’ da produtora multimídia usando o publico como massa de manobra e meios para bilheterias exorbitantes como se isso ditasse qualidade de filmes. Você é só mais um caçando coisas ruins nos filmes e endossando o debate mais esvaziados dos últimos anos dentro de quaisquer que sejam os filmes lançados pelo estúdio. Estou escrevendo depois de uma boa noite de sono e cenas como as do Isaiah, a tentativa cênica de criar uma ruptura de ambiente com as cerejeiras, a destruição delas e como ela, também se torna um dispositivo narrativo do teor politico bem colocado e usado tão bem quanto. Esses detalhes, essas pequenas inspirações criam estofo, criam historia dentro desse filme e da produção como um todo. Sem contar a dinâmica entre Ross e o vilão, reforçando a sátira de que nem as maldades são feitas por ele, são por um terceiro que criou -sem que o mesmo soubesse- um monstro que vai quebrar a casa branca e sua imagem (o que mais lhe importa) sendo mais um showman validador do que qualquer outra coisa. eu não duvido nada que no corte inicial devia ter uma cena de Harrison Ford com um tiro de raspão na orelha.
Reflexões Fragmentadas – Aos Pedaços (2020) Critica
Ruy Guerra, com Aos Pedaços, parece operar em um território onde o caos e a memória se misturam de forma quase indissociável. O filme, que carrega em si uma fragmentação narrativa como reflexo de suas personagens, tenta estabelecer um diálogo entre o particular e o coletivo, mas, em certos momentos, se perde nas próprias fissuras que propõe explorar. Não ao ponto de esvaziar suas questões, mas sim de as tornar quase etéreas, desprovidas de uma ancoragem emocional mais palpável. Há uma busca incessante por um lirismo que, em teoria, deveria emergir das rachaduras dessa memória coletiva. A câmera de Guerra parece hesitar entre o testemunho e a poesia, criando uma atmosfera que, embora visualmente interessante, por vezes se apresenta excessivamente asséptica. O filme parece ter medo de sujar as mãos, de mergulhar com mais coragem na angústia de suas personagens. A sensação é de que estamos diante de uma desconstrução que não chega a se completar, deixando o espectador nesse limbo entre o fascínio e a frustração. O roteiro, que flerta com o experimentalismo, tenta se equilibrar entre o íntimo e o histórico, mas acaba tropeçando na própria tentativa de costurar essas camadas. Há passagens em que a montagem se permite brincar com o tempo, instaurando uma sensação de colagem de memórias que funciona pontualmente, mas não o suficiente para sustentar a proposta do longa. A sensação é de que há uma busca por sentido no não-sentido, mas que essa busca não encontra um eixo sólido para se apoiar. Ainda assim, há um charme melancólico na forma como Guerra conduz suas personagens por esse labirinto de memórias estilhaçadas. O som, por exemplo, surge como um agente inquietante, quase como um sussurro constante que insiste em relembrar algo que não se consegue precisar. É nesse espaço de indefinição que o filme encontra seus melhores momentos, especialmente quando se permite simplesmente existir no fluxo dessas recordações esparsas. Talvez o maior mérito de Aos Pedaços esteja na coragem de não se render a uma narrativa convencional, ainda que essa escolha acabe enfraquecendo a sua força discursiva. Ruy Guerra, com sua experiência e olhar sempre inquieto, entrega um filme que, como o próprio título sugere, se constrói e se desconstrói em pedaços. O problema é que, ao tentar juntar essas partes, o todo não alcança a potência que se intui nas entrelinhas. Fica a impressão de um quebra-cabeça que decidiu abraçar suas lacunas e, nesse processo, se tornou refém delas.
Retrato tingido de cordialidade – As Cores e Amores de Lore (2024) Review
Jorge Bodanzky, em “As Cores e Amores de Lore”, se propõe a construir um retrato íntimo e afetivo de Eleonore Koch, mas em sua abordagem, há algo de asséptico que impede o filme de atingir camadas mais profundas. No início, Bodanzky parece interessado em entrelaçar sua própria história com a de Eleonore, buscando paralelos geracionais e culturais, porém logo abandona esse caminho, resultando em um documentário que se mantém bonito e bem elaborado, mas sem a intensidade emocional que poderia carregar. A relação entre diretor e personagem se estabelece de maneira cuidadosa, com Bodanzky assumindo um papel discreto, sendo mais um condutor gentil do que um participante ativo na narrativa. Eleonore, por sua vez, oferece reflexões sobre sua arte, sua vivência como mulher em um meio dominado por homens e os dilemas que enfrentou ao longo da vida. Mas há uma contenção na maneira como o filme escolhe apresentar essas questões. Há momentos que precisavam de mais impacto, de mais tensão, de um olhar que realmente se sujasse na profundidade do que está sendo dito. Sequências que deveriam exalar urgência acabam apenas ilustrando sua história sem mergulhar nela. Apesar disso, o longa cresce quando permite que a protagonista simplesmente seja. O documentário ganha força quando Eleonore divaga sobre sua trajetória e, nesses instantes, o espectador sente um vislumbre de algo mais sincero e potente. O filme poderia se beneficiar de uma exploração mais profunda de certos temas que surgem organicamente, como as críticas misóginas que recebeu ao longo da carreira ou sua fala impactante sobre a forma como respondeu às limitações impostas a ela: “Se eu não podia ser artista, nada me impedia de ser mulher”. Esse trecho, que poderia ser um ponto de ruptura e reflexão, passa quase despercebido, pois Bodanzky opta por seguir adiante sem se deter nesses instantes de verdadeira complexidade. Há um olhar cuidadoso na forma como o filme se estrutura, utilizando um vasto acervo pessoal para compor sua narrativa. Fotografias, cartas e diários ajudam a dar textura à história, mas o filme parece hesitante em se aprofundar nos dilemas que eles poderiam evocar. Há um desejo evidente de celebrar a vida e o legado de Eleonore Koch, mas o documentário parece mais interessado em contemplá-la à distância do que em realmente investigá-la. No final, “As Cores e Amores de Lore” é um filme que emociona pela figura magnética de sua protagonista, mas deixa um gosto agridoce pela falta de arrojo em sua execução. Bodanzky tem uma obra elegante e respeitosa em mãos, mas poderia ter permitido que sua câmera fosse mais ousada, mais provocativa, mais viva. Eleonore Koch, com sua trajetória de desafios e conquistas, merecia um filme que arriscasse mais para estar à altura de sua história.
Sátira social sem inspiração cênica mas divertida – Acompanhante Perfeita (2025) Review
Interessante na composição narrativa do quê quer comentar e debater nas suas entrelinhas a partir das relações criadas, tenta ser esperto (até demais) em como desmontar a trama em várias viradas, mas tudo é tão asséptico que no final das contas o filme fica apenas demasiadamente enfadonho. Não ao ponto de esvaziar as pautas, mas sim de um filme que carece de momentos que te façam sentir, assim como a protagonista do filme sente tanto o longa inteiro. É como se fosse uma grande inabilidade em contar a história com a sua câmera. Existem sequências aqui que necessariamente precisam de tensão, tesão, de se sujar mais, mas parece que nunca chega lá. Vai costurando sua trama com um texto muito bem elaborado falando sobre relacionamentos tóxicos, violência doméstica, e até mesmo o que Westworld fez muito bem em suas temporadas iniciais dessa desumanização a partir do tecnológico nos levando a reações primárias como se o controle fosse o maior alcance do ser humano. Apesar de todos esses problemas equivocados de alguém que tem muitas ideias interessantes mas não sabe executa-las, acompanhante perfeita ao menos consegue alcançar um status de diversão garantida no que tange essa quase sátira social de um plano para enriquecer que cada vez fica mais difícil de ser executado levando a uma avalanche de tragédias estranhamente cômicas. Muito evocado por essa fotografia chapada que quebra isso quando faz uns travelings interessantes pelo cenário. Sophie Teacher mais uma vez se confirma como uma proeminência para o gênero de terror que cada vez mais me chama atenção só pela sua presença no elenco de alguma produção. E não só pela ótima atuação da mesma, mas sim como aqui em Acompanhante Perfeita ela extrai carisma, medo, sensualidade e brutalidade de uma personagem cheia de complexidade, mas sem perder um tato com a inocência que permeia durante todo o longa. Dentre filmes lançados nos últimos anos como Fresh (Mimi Cave, 2022), Noites Brutais (Zach Cregger,2022) casamento sangrento (Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett,2019), Não se preocupé, querida (Olivia Wilde,2022) vemos essa abordagem ‘tragicômica’ satírica de um comentário social pertinente pelo prisma feminino que funciona otimamente em todas as obras em que citei com atrizes acima da media. Em comparação rasa e esdruxula fico com Black Mirror como esse lugar comum na qual Acompanhante Perfeita se encaixa, mais ainda nas experimentações feitas na ultima temporada da serie. Acompanhante Perfeita inicia bem o ano de 2025 no cinema de gênero com um filme bem divertido, que apesar de não ter inspirações cênicas e ser meio limitado nas suas linguagens e no contar historia, pega na mão pela trama inquieta e personagens muito bem arquitetados como peões livres, mas que servem no intuito da trama avançar. Arquétipos bem orquestrados em um filme que poderia ser mais.
Narrativa Embriagada Pela Paixão – A voz que Resta (2024) Review
A Voz que Resta se apresenta como um interessante experimento narrativo, utilizando a perspectiva de um narrador não confiável para contar uma história às avessas. A proposta é ambiciosa: explorar a embriaguez do amor – tanto no sentido figurado quanto literal – e suas ilusões sensoriais. A trama busca construir um mergulho na intensidade das paixões humanas, entrelaçando sentimentos com a percepção distorcida que o álcool pode provocar. No entanto, se o texto da obra surge como peça fundamental para sustentar essa abordagem, a execução tropeça em alguns momentos. A narrativa, que deveria fluir com naturalidade, acaba sendo prejudicada por trocas descompassadas, tornando certas passagens artificiais ou abruptas. Os realizadores deixam evidente sua intenção ao estruturar a história, mas, ao fazê-lo de maneira tão perceptível, comprometem a organicidade da experiência. Além disso, um elemento que intensifica essa fragmentação é o constante desencontro entre imagem e discurso. Enquanto a narração parece seguir uma linha subjetiva e carregada de sensações, a composição visual frequentemente se move em outra direção, como se fossem duas narrativas independentes que se cruzam sem jamais se tocarem de fato. O filme insiste nesse jogo de contradições, mas não o leva adiante, tornando-o um artifício mais evidente do que instigante. Cenas que poderiam complementar a carga emocional do texto se apresentam de forma fria ou distanciada, criando um ruído que não parece intencional, mas acidental. Curiosamente, um dos aspectos mais bem resolvidos do filme está na sua mixagem de som, que amplia esse efeito de descompasso narrativo de forma proposital e engenhosa. O longa brinca com diferentes dispositivos sonoros, transitando entre a oralidade literária e os ruídos mecânicos dos aparelhos que cercam o protagonista. O som ora amplifica a prosa introspectiva da narração, ora a desafia com interferências e distorções que ecoam sua instabilidade emocional. Essa justaposição contribui para a sensação de deslocamento da trama, tornando a experiência sensorialmente mais envolvente do que o próprio encadeamento das imagens. Ainda assim, um dos pontos altos do filme está na dupla de diretores – Roberta Ribas e Gustavo Machado –, que também contracenam. Eles demonstram um controle criativo sobre a trama, sabendo como extrair do texto e do argumento uma construção cênica que prende a atenção. Há um senso de precisão na maneira como conduzem as cenas, revelando um olhar atento para os detalhes que sustentam a atmosfera da narrativa. O que poderia ser um de seus maiores trunfos – a fluidez narrativa – se dilui diante de algumas escolhas estilísticas que tornam o ritmo irregular. Ainda assim, A Voz que Resta se mantém como uma obra intrigante, que provoca reflexões sobre a maneira como percebemos e reconstruímos nossas próprias paixões e memórias.
“Premonição 6” recebe título oficial, trailer, pôster e data de lançamento
Intitulado Premonição 6: Laços de Sangue, o longa terá produção de Craig Perry e contará com um elenco de peso. Entre os nomes já confirmados estão Brec Bassinger (Stargirl), Teo Briones (Chucky) e Kaitlyn Santa Juana (Querido Evan Hansen). Além disso, o elenco coadjuvante incluirá Richard Harmon (The 100), Anna Lore (Gotham Knights), Owen Patrick Joyner (Julie and the Phantoms), Max Lloyd-Jones (O Livro de Boba Fett), Rya Kihlstedt (Obi-Wan Kenobi) e Tinpo Lee (The Rookie). Desde sua estreia em 2000, a franquia Premonição conquistou fãs ao redor do mundo ao seguir a jornada de personagens que escapam de mortes trágicas graças a visões proféticas – apenas para serem implacavelmente perseguidos pelo destino. Com cinco filmes lançados até 2011, a saga já arrecadou mais de US$ 660 milhões nas bilheteiras globais. O novo filme também conta com a produção de Jon Watts (Homem-Aranha: Sem Volta para Casa) e tem estreia marcada para 15 de maio nos cinemas brasileiros.