Rita Lee foi muitas — muitas mulheres, muitas personas, muitas fases. E Ritas, o documentário de Oswaldo Santana e Karen Harley, não tenta reduzir essa multiplicidade a uma narrativa única. Nem pretende “explicar” quem ela foi. Em vez disso, escolhe um caminho mais afetivo, sensorial e, principalmente, livre. É um filme que, como a própria Rita, prefere cores, colagens, música e ironia a qualquer rigidez. E isso faz toda a diferença.
Aqui, a montagem não é só técnica — é linguagem. Ao contrário de Mania de Você, lançado quase simultaneamente e muito mais preso ao formato convencional, Ritas encontra formas visuais e sonoras de dar corpo a essa figura tão energética, amorosa, afetiva e criativa. Ainda que em alguns momentos as sobreposições visuais soem exageradas e até cansativas, essa exuberância faz sentido: é o retrato de uma artista que nunca economizou cor ou intensidade.

Há uma inteligência emocional profunda na escolha de deixar que Rita conte sua própria história. Mesmo nos seus últimos dias, sua narração é viva, cheia de humor e lucidez. Ela guia o espectador entre fases da carreira e da vida pessoal, costurando suas transformações com a leveza e a honestidade que sempre teve. Mas Ritas não se contenta em ser uma linha do tempo — é também uma colagem de referências, memórias, paixões. Rita com seus animais, com seus objetos, com seus silêncios e suas peculiaridades, com seu companheirismo com Roberto de Carvalho. Conhecer esses lados é se aproximar não só da artista, mas da mulher que construiu sua persona com tanta verdade que hoje é impossível dissociá-las.
Minha relação com Rita Lee começou no seu retorno em 2012, com músicas como Reza e Amor e Sexo. Foi ali que comecei a escutá-la de fato. A partir disso, mergulhei em sua obra anterior e fui entendendo o quanto ela foi essencial para a música brasileira, para o rock’n’roll nacional, para a cultura do país. E isso só torna mais contundente o discurso de Ritas — não o de Mania de Você, que se perde no olhar de terceiros —, mas o de um filme que nos coloca cara a cara com a Rita real. A que ri, que conta suas histórias, que mostra suas dores e afetos com leveza. A artista e a humana, lado a lado, sem precisar de mediações.

Rita atravessou épocas, com suas músicas, seus gestos e sua coragem. Passou por prisões injustas, perdas dolorosas, recaídas difíceis, e traduziu tudo isso em arte. Cada letra, cada fase, cada olhar dizia sobre ela e também sobre o Brasil. É disso que Ritas dá conta: de mostrar como Rita Lee é eterna porque foi profundamente humana. E porque sabia transformar essa humanidade em música, em invenção, em liberdade.